quinta-feira, 27 de maio de 2010

Abandono Precoce e Iniciação Esportiva Antonio Cunha

– propostas para mudar esse cenário
26 maio 2010 por António Cunha

Este trabalho teve a colaboração do Prof. Carlos Resende Docente e Ex-Treinador Campeão Nacional pelo F.C. do Porto e Atleta Internacional de elevado nível desportivo e do Prof. Lucas Leonardo, coordenador do site “Pedagogia do Handebol”

Para que seja possível aprender é necessário que haja processo. Para haver processo, torna-se necessário haver adesão.

A preocupação com o abandono precoce na iniciação esportiva é algo que nos últimos anos vem sendo muito estudado por pesquisadores que se preocupam com uma nova abordagem de ensino do esporte.

Dentre pesquisadores desse assunto, o professor Professor Roberto Paes da UNICAMP é um dos principais autores que, além de discutir as questões do abandono precoce relaciona tal problema educacional e o processo de especialização precoce.

Especialização precoce e abandono precoce, ambos são peças de uma mesma engrenagem, que criam um infeliz circulo vicioso de entrada, abandono e muita vezes, desgosto pelo esporte.

Especializar precocemente tem total vínculo com uma visão de ensino que se baseia na ânsia pelo alto-rendimento esportivo e os vilões da história podem ser muitos: professores, pais, dirigentes de clubes e outros.

Porém, o professor, como principal responsável pela práxis educacional, é peça fundamental desse ciclo que se forma e também, o primeiro responsável pela sua transformação.

O professor Antônio Cunha, da Faculdade do Porto, também é um dos principais nomes que estudam essas questões com especificidade no handebol.

Na Conferencia entre a FPA (Federação Portuguesa de Andebol) e as Universidades portuguesas sobre a problemática do handebol nas escolas portuguesas, o professor apresentou um trabalho aplicado, voltado para a discussão dos problemas do abandono precoce e buscando solucionar tal questão.

Foi um trabalho intensivo nas aulas de estudo práticos na Faculdade do Porto e testado com sucesso há 4 anos.

Em pesquisa realizada com os jovens atletas inscritos na AAP (Associação de Andebol do Porto, a maior de Portugal) que abandonaram a modalidade no início da sua carreira desportiva, as principais causa destacadas foram:
1.Não entendimento por parte dos novos praticantes com os objetivos do treinador/atleta nos indicadores básicos a aprender.
2.Insatisfação no lugar obrigado a jogar quando as expectativas eram outras.
3.Modelo de competição condicionada nos seus aspectos regulamentos técnico/pedagógicos, pouca liberdade da aplicação do Jogo Livre como forma principal da motivação por parte dos novos praticantes.
Face a esta realidade foi realizado um trabalho de pesquisa aplicado nas aulas práticas a proposta da “rotatividade dos postos defensivos” em que o aluno estava atuando. E, por haver mudança rotativa dos postos defensivos, havia, por consequência, no ataque uma correspondência a novos lugares, tornando o jogo mais atrativo e motivador, promovendo experiências diversificadas durante o jogo, o que para as fases iniciais de aprendizagem é imprescindível, principalmente por essa ser uma fase de descoberta (figura 1, clique nela para ampliá-la).

Figura 1. Rotatividade defensiva e consequente rotatividade ofensiva: multiplicação de experiências esportivas no handebol (clique na imagem para ampliá-la)

Desde sua aplicação iniciada nas aulas de Estudos praticos II e IV (Bolonha) Handebol, os resultados tem sido excelentes por parte da receptividade dos alunos e alunas( a maioria não tem experiencia de andebol a nível federado nem escolar), e como tal, pode-se apontar soluções para que uns dos graves problemas da aprendizagem do handebol pelos jovens seja resolvido. A rotação dá se não ao gol, mas sim em jogos de tempo ou score limitado 3 ou 5 gols e roda-se nessa altura, assim se ganha rotinas dos lugares específicos.

No entanto, ainda assim, a Federação Portuguesa ainda não adoptou o “modelo” nas categorias de base, face a perda sistemática em todas as épocas de centenas de jovens. A razão principal de não se ter verificado as mudanças regulamentares foi porque nós consideramos importante 3 a 5 anos de reflexão e experimentação nas aulas e ouvir os praticantes para passarmos para a alteração regulamentar.

Esse problema, voltado à adaptação de regras para a iniciação esportiva também é um fator de dificuldade nas ligas e federações brasileiras.

Existem boas iniciativas, porém, quase sempre o tradicionalismo voltado à ansiedade por resultados esportivos e pela definição de funções no jogo realizados de maneira precoce, vencem as novas ideias baseadas em fatores estudados cientificamente por pesquisadores que adotam novas abordagens de ensino do esporte.

Esperamos que essas questões sejam mais bem discutidas e refletidas por todos nós, professores e educadores do esporte coletivo.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Plano de Aula para Ensino do Handebol – Jogar com, como e contra o Pivôt

5 maio 2010 por Lucas Leonardo

Venho, a partir de hoje, descrever alguns planos de aula. Planos de aula, como o nome diz são apenas “planos” ou seja, uma estratégia montada de forma a preocupar-se com a sistematização de ensino que, assim como uma proposta currícular, deve ser maleável de acordo com o andamento da aula/treino, podendo sofrer, ou não, variações e alterações.

A proposta que descrevo aqui terá como base alguns princípios importantes no que tange aos aspectos metodológicos (ênfase no jogo como forma de ensinar) e didáticos (orientando para a descoberta guiada, contruída em conjunto com o professor, orientada para um determinado conteúdo).

Plano de Aula

Tema – Jogar com, como e contra o pivô

Conversa Inicial – Falar da aula passada, e orientar de maneira breve que os alunos se organizem livremente em trios.

Atividade 1 – 2×1 com área delimitada

Objetivos: aprendizagem incidental (aprender sem saber que se está aprendendo) de como defender um pivô e um atacante, de como e quado passar a bola para o pivô e de como ocupar os espaços da quadra jogando com limitação de sua área de atuação – situação típica dos pivôs.

Utilizando-se das riscas da quadra, tais como o círculo central, as cabeças dos garrafões e outras marcações quaisquer, um jogador, com posse de bola (chamarei de atacante) deve passar a bola para outro (chamarei de “pivô”), que se encontra “preso” dentro dessa determinada área demarcada. Um jogador defensor deve impedir que o passe chegue a esse jogador. Não há para o atacante e o defensor limite de zona de atuação, há apenas para o “pivô”.

Em momento algum será falado que se trata de um jogo de pivô, permitindo que todos os jogadores envolvidos nesse 2×1 vão experimentando as melhores formas de atuar.

Será típico, visando o cumprimento da lógica do jogo, que o defensor arrisque-se a tomar a bola do jogador que está com ela, deixando o “pivô” livre, sofrendo vários pontos, pois o mais importante para quem defende e tentar ter o mais rápido possível a posse da bola (ver texto). Porém, essa ação facilita que o passe ao “pivô”, nessa atividade, seja realizado.

Cabe, nesse momento, ao professor, instigar os defensores se a melhor forma de recuperar a bola é tentando recuperá-la do atacante que tem sua posse ou se é buscando aproximar os atacantes, de forma a conseguir marcar os dois ao mesmo tempo e interceptar o passe que um tenta realizar para o outro, ou mesmo, roubar a bola do atacante com uma atitude rápida, surpreendendo o atacante.

Colocada essa dúvida, a reflexão deve ser direcionada para a intenção de marcar o “pivô”, ficando à sua frente e, quando o atacante que tem a bola se aproximar dele, tentar recuperar a bola através da interceptação do passe ou de uma atitude que surpreenda o atacante, recuperando a posse de bola do próprio atacante.

Criar para essa atividade, uma proposta de rodízio, de acordo com os resultados obtidos pelo confronto:

* Se o atacante passar a bola para o “pivô” trocam de função o atacante e o “pivô”
* Se o marcador interceptar o passe, trocam de função o atacante e o defensor.
* Se o atacante parar de driblar a bola (quicá-la no chão) e ficar por mais de 3 segundos com a bola na mão, a defesa vence, havendo a troca entre o defensor e o atacante.

Atividade 2 – Questioná-los sobre a atividade anterior

Objetivos – possibilitar a representação da atitivade anterior, contextualizando o aprendizado com as informações que os alunos já possuem de um jogo formal de handebol.

Vivida a atividade anterior, trazer em discussão quando aquele tipo de relação ocorre num jogo de handebol. Chegada à conclusão de que se trata da relação entre pivôs, atacantes e defensores, demonstrar (das mais variadas formas – com pranchetas, utilizando os próprios alunos e se for necessário, até mesmo interagindo com eles através de exemplos que envolvam a participação do professor), que passar a bola para o pivô envolve a necessidade deste estar livre (com condições de receber a bola num espaço vazio, sem marcadores), orientando os alunos a entenderem, ainda no nível da representãção, que dependendo da atitude do defensor (ele solta o pivô e vem marcar o atacante ou continua marcando o pivô?) a bola pode ser passada ao pivô ou mantida sob o domínio do atacante (e no caso do jogo, até mesmo finalizada a gol).

Atividade 3 – 2×1 com área delimitada

Repetir a atividade, para que a representação mental seja colocada em prática, já com a devida contextualização desse conceito, transformando a a tividade num jogo com relações de oposição transferível ao jogo formal.

Atividade 4 – 2x(1+goleiro) com área delimitada

Vivenciar a mesma situação, agora com a delimitação de uma região de atuação utilizando a área dos 6 metros, e tendo como objetivo fazer gols, seja pelo atacante, seja pelo pivô.

O atacante terá que trazer para esse jogo os conceitos aprendidos – se o pivô estiver marcado, manter a bola consigo, mas agora, visando a progressão ao gol adversário; se o marcador tentar sair para marcá-lo, visando recuperar a posse da bola, buscar o pivô que estará desmarcado, para que ele receba a bola e finalize a gol. Pode-se manter a mesma relação de rodízio ou então, haver rodízio através do aviso do professor.

Conversa Final – Abrir para que dúvidas sejam colocadas ao professor e outros alunos. Refletir sobre a dificuldade de atividade e reforçar os conceitos básicos de quando passar a bola ao pivô e quando buscar progredir ao gol. Bem como quais as ações que o defensor deve ter para que, mesmo em inferioridade numérica, consiga facilitar sua atuação.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A Magia do Handebol,Jorge Knijnik

A Magia do Handebol
Recebi a agradável notícia da publicação do livro de handebol do amigo Jorge Dorfman Knijnik, que foi técnico da ABA Hebraica durante 11 anos e hoje é professor e pesquisador da "University of Western Sydney - Australia".
Não poderia deixar de compartilhar com os leitores desse blog um trecho do livro que o Jorge me enviou, que apresenta o handebol de uma maneira muito interessante. Um texto que apaixona até mesmo os já apaixonados e viciados em handebol como eu. O título do texto é "A magia da modalidade: Bolas de fogo flutuantes" e está dividido em 3 cenas extremamente vivas.
Leia e Divirta-se!!

Cena 1 – No coração da Itália
Era uma noite quente, muito quente, no sul da Itália, na cidade de Teramo, perto de Pescara, no mar Adriático. Disputava-se a Coppa Interamnia, tradicional torneio que reúne aproximadamente sete mil jovens de todas as partes do mundo, entre dez e 21 anos, para jogar handebol. Joga-se por toda parte, em quadras de asfalto, grama, areia, e até em estacionamentos. Joga-se debaixo do sol, em alguns casos com um pouquinho de chuva – e é bola na rede o tempo todo. Em julho, em Teramo, o handebol não para! Adrenalina.
E há uma quadra central, ao ar livre, com tapete emborrachado, verde, lindo, posicionada atrás de uma igreja do século XIII – nela ocorrem os principais jogos, as finais dos torneios, e as disputas entre seleções nacionais de atletas de até 21 anos. As arquibancadas de madeira, que ladeiam esta quadra, ficam lotadas o tempo todo. Espetáculo.
Era o que acontecia naquela noite. A brisa morna do verão italiano abraçava a quadra, atletas e espectadores. Duas seleções nacionais, as equipes femininas de Taiwan e da antiga Tchecoslováquia, se enfrentavam. De um lado, garotas fortes, “parrudas”, altas, dirigidas também por um técnico alto e rechonchudo, muito barulhento. No campo oposto, um time de chinesas pequeninas, magricelas, por quem ninguém daria nada. Seu técnico, de tão pequeno e discreto, parecia invisível. Mas, como movidas pelo vento, as jogadoras de Taiwan disparavam como raios por toda a quadra, em lances rápidos e objetivos, conquistando gols atrás de gols por trás da defesa gigantesca das europeias. Velocidade.
A goleira de Taiwan, então, parecia acionada por um controle remoto: ficava imóvel, no meio das traves, com as pernas dobradas. Bastava, entretanto, uma pequena bola ir na direção dela, que sua reação era surpreendente, ela se agitava toda, fazia a defesa, e rapidamente já jogava a bola pra frente, pois sabia que uma pequena companheira sua, com a velocidade de uma onça caçando nas savanas africanas, apareceria de algum lugar para pegar a bola e ir para o gol. A bola, então, mal se via: aquela esfera branca, tão desejada por todas naquela quadra, zunia em alta velocidade por todos os lados, não dando sossego nem para as goleiras nem para o público, que mal conseguia acompanhar todos os seus movimentos. Precisão.
Mas, surpresos estávamos nós, que assistíamos a partida. Tendo apostado nossas fichas nas tchecoslovacas, por sua tradição no handebol e pela força física da equipe, víamos nossos prognósticos ruírem. Faltando pouco mais de cinco minutos para o final do jogo, a equipe de Taiwan vencia por seis gols de diferença – as orientais riam, se cumprimentavam, dando já por certa aquela vitória. Concentração.
Repentinamente, porém, algo se mexeu. Uma jogadora europeia erra um lance muito fácil, um arremesso na frente da goleira. Nervosa, ela se agita, pula, e começa a gritar com as companheiras da equipe. Todas começam a falar alto, agitadas. O técnico, que já falava aos berros, agora estava translúcido, soltando a voz. União.
Outra partida parecia começar ali. Uma fúria tomava conta das tchecoslovacas, que em menos de cinco minutos correram como nunca, tirando energia não se sabe de onde, e empataram a partida – houvesse mais trinta segundos, teriam ganhado o jogo ali mesmo. As jogadoras de Taiwan, atônitas, mal acreditavam no que viam, assim como o público, que delirava nas arquibancadas. Volta por cima.
O jogo empatou, e foi para o tempo extra, a prorrogação, que no handebol é curta, dois tempos de cinco minutos. Embevecidas e encorajadas por sua recuperação, as europeias ganharam das orientais, que ainda assim também correram como nunca. A batalha foi duríssima. Ao final do jogo, ambas as equipes foram aplaudidas de pé durante dez minutos pelo público, em êxtase. Entusiasmo.

Cena 2 – No Parque São Jorge
Era uma noite fria, gélida e úmida, como costuma acontecer na cidade de São Paulo no mês de agosto. Desta vez o palco era uma quadra de handebol dentro da sede social do S.C. Corinthians, um dos clubes de futebol com maior torcida no Brasil, com grandes equipes masculinas de handebol na década de 1980. História.
Na plateia, apenas algumas namoradas dos jogadores, talvez esposas, alguns amigos, e jogadores juvenis, como eu, que haviam jogado a partida preliminar e agora assistiam seus ídolos na quadra. No time da casa, Montanha, Vanderlei, Xu, com Willian no gol. Do outro lado, na equipe do E.C. Pinheiros, outras lendas do handebol: Xexa, Viché, Foguete e Luisinho. A partida prometia. Expectativa.
O ginásio, que já é grande, parecia maior, imenso com as arquibancadas quase vazias, com cadeiras que sobem até o alto das paredes. O placar eletrônico, posicionado longe, quase no teto, não facilita a vida dos míopes. O vento gelado que cortava o ar, entrava nos ossos de quem assistia a partida. Mas outra coisa também cortava os ares, e esquentava aquela noite: os jogadores, após inúmeras passadas e emaranhados de trocas de posições e passos velozes em curtos espaços, atiravam verdadeiras bolas de fogo contra os goleiros, ou em passes entre si, que aqueciam os olhos e os corações da pequena plateia. Fervura
O jogo se alternava, num ritmo frenético. Ora o Pinheiros avançava no placar, comandado por seus jogadores inteligentes e velozes. Dali a pouco, no entanto, e animados pelas defesas de seu goleiro, craque da seleção brasileira, os corintianos iam ao ataque com vigor, virando o jogo. Incerteza.
Aos poucos, o que parecia força bruta, apresenta sua verdadeira face: pequenos lances inteligentes ludibriavam as defesas; movimentos curtos e precisos deixavam os goleiros sem saber para onde se dirigir debaixo das traves; os técnicos, verdadeiros estrategistas das quadras, mudavam as posições, determinavam novos ritmos, travavam o seu duelo mental, em conjunto com os jogadores. Naquela noite, a única certeza era que todos haviam esquecido o clima gélido da noite paulistana, e o sangue fervia no corpo da plateia e dos jogadores. Empolgação.
Os choques entre os jogadores eram muitos. Pequenos estranhamentos, porém, não estragavam o clima daquele jogo. Ao contrário, uma grande mão estendida ajudava aquele que havia caído, e a batalha recomeçava, no campo mental e físico. A indefinição do placar era completa. Lealdade.
Os jogadores apresentavam suas armas. Foguete, pelo Pinheiros, com seus voos certeiros, rodopiava e corria como se não tivesse pés. Luisinho, do mesmo time, como um mágico, fazia a bola sumir em suas mãos, e aparecer trinta metros adiante, no peito de um companheiro já posicionado nas traves corintianas. No Corinthians, Xu, um lépido canhoto, fazia arremessos inimagináveis, com seu braço esquerdo ágil, e colocava a bola pegando fogo nas redes. Montanha, de olhos ágeis, achava espaços onde qualquer um só veria braços, e também lançava seus torpedos em direção ao gol adversário. Frieza e habilidade.
Quase no final do jogo, quando a indefinição do placar era total, um pássaro sobrevoando uma das áreas daquelas defesas conseguiu mudar o rumo de tudo – do jogo, e da vida de todos que ali estavam – assistindo ou jogando. Este pássaro na verdade tinha um nome, e vestia a camisa do Corinthians: era Vanderlei, o ponta-esquerda da equipe. Poesia pura.
Mas Vanderlei não voava sem motivo. Um segundo antes, Montanha, o grande cérebro finalizador de torpedos fumegantes, havia soltado a bola, e não em direção ao gol adversário. É que quase no finalzinho do jogo, correndo muitos riscos, Montanha atirou a bola para cima, sobre a defesa do adversário. Ela flutuou sobre as cabeças e a área, e quando parecia que se perderia sem direção nem sentido no ar, aquele pássaro chamado Vanderlei, com um pulo fantástico, quase um voo, segurou-a, e com uma maravilhosa torção de corpo, atirou-a em pleno ar contra o gol do Pinheiros. Vitória.

Cena 3 - O bailado do handebol – o ritmo que me pegou
Vitória. Derrota. Emoção. Poesia. Habilidade. Lealdade. Empolgação. História. Incerteza. Adrenalina. Fervura. Expectativa. Entusiasmo. Volta por cima. Concentração. Velocidade. Espetáculo. Força. Bailado. E vibração, muita vibração. A cada gol – e são muitos no handebol – há vibração; a cada defesa do goleiro, também. A cada bloqueio defensivo, todos também comemoram. É um jogo vibrante.
Acho que de todas as qualidades existentes neste esporte maravilhoso, fui ficando vidrado aos poucos por cada uma. Pouco a pouco, a cada dia, fui conhecendo novas emoções e sensações. Mas acho que foi o ritmo e o bailado do jogo que realmente fizeram minha cabeça. Dentre todas as qualidades, que podem acontecer em diversos esportes, essa é única. O handebol é um jogo que, apesar de disputado em uma quadra grande, de 40 metros, é decidido em lances feitos em pequenos espaços – e para atuar neles, é fundamental ter ritmo, e conseguir alterá-lo constantemente. O ritmo do jogo é fascinante – e foi ele que fez com que o bichinho do handebol me mordesse, em cheio.
Comecei a jogar aos dez anos, nas quadras do Colégio Mackenzie, no centro de São Paulo. Fui levado por um amigo, o Paulinho, que me via jogar queimada nas ruas do bairro, e achou que o meu arremesso era bom. Meu primeiro professor chamava-se Trida, um lendário técnico das hostes mackenzistas. Foi com ele que aprendi a fazer uma passada rítmica (é assim que são conhecidos os três passos permitidos a um jogador de handebol quando tem a posse de bola) diferenciada: ao invés de darmos três passos em sequência, com um pé após o outro, o professor Trida nos ensinou a dar dois pequenos saltos com a perna direita, e, repentinamente, dar o terceiro salto com a esquerda, mudando assim todo o ritmo, e superando o adversário em pequenos espaços – o bailado do jogo entrava em minha vida, para sempre. Aquela passada diferenciada foi marcante para o meu sucesso no jogo, pelo menos quando comecei a jogar.
Fui para outra escola, o Vera Cruz, e agora era treinado pelo grande professor Toshiaki, que foi conquistado pelo meu novo ritmo – com ele disputei inúmeros e inesquecíveis jogos. Dali para o Clube Pinheiros, levado por amigos que me viram bailar nas quadras do acampamento Paiol Grande, foi um pulo. No clube, passei grandes momentos da minha adolescência em quadras de handebol. Descobrindo novos ritmos e passadas, mergulhando fundo em estratégias e táticas para conquistar o espaço dos adversários.
E assim segui para o resto da vida. Muitas vezes jogando de forma medíocre, mas sempre feliz, atuando nas equipes da minha escola, com o grande Walter Musa, ou naquelas dos clubes (sim, depois do Pinheiros, veio a Hebraica, clube em que meu estilo de jogo me rendeu a alcunha de “o bailarino do handebol”). Foi lá também que conheci meu grande amigo Robson Andrade, atual técnico da seleção brasileira feminina até 20 anos (equipe júnior). E com quem dei meus grandes passos como técnico, durante muitos anos, percorrendo o mundo atrás da bola de handebol. Daí para professor da modalidade em universidades foi outro pulo. E foi com pulos e saltos que descobri que o handebol não era um espaço apenas de marmanjos com pés gigantescos e força descomunal.
Percebi que se engana quem pensa que o handebol é um jogo para fortes. Sim, é um esporte viril, no qual há jogadas duras, e onde os arremessos são potentes, e no qual ter força é importante. Porém, no handebol, as qualidades de Apolo (o deus grego da visão, da antevisão e do conhecimento) superam aquelas de Hércules (a divindade que para os gregos representa a força bruta). Isto porque o handebol é um jogo que conta com uma particularidade muito especial: a área do goleiro. Nela, ninguém pode pisar, a não ser, como o nome mesmo demonstra, o goleiro. A área fica protegida por diversos jogadores, que não querem que ninguém se aproxime dela – são defensores “ferozes”, que fazem de tudo para afastar os atacantes dali, e também para tomarem aquilo que eles têm de mais precioso – a bola. Esta área, defendida por verdadeiras paredes humanas, é diferente das áreas do futebol, ou do futsal, que podem ser atacadas e invadidas por todos os lados, em busca do gol. Não, a área de handebol só pode ser invadida quando se pula sobre ela, e o gol, só pode ser conquistado por meio de arremessos de perto, ou de longe da área. Assim, buscar remover as barreiras que não querem que nos aproximemos dela, é fundamental.
Para isso, mais que força, é preciso estratégia, visão, e mesmo antever os passos e movimentos dos adversários que emparedam a área – é necessário o conhecimento simbolizado pelo deus Apolo, muito mais que a força bruta de Hércules. Os jogadores e as jogadoras devem usar a cabeça, imaginar e perceber falhas, pequenos defeitos e possíveis rachaduras nestes paredões defensivos. Os atacantes precisam criar e modificar seus ritmos, em conjunto, dançando com ou sem a bola, por vezes no mesmo sentido, mas em outros momentos na direção contrária, criando movimentos coletivos, tempestades de gestos e atitudes corporais que façam com que esta parede se abra um pouco, ou mesmo afunde.
Este bailado coletivo, improvisado, em um ritmo próprio do qual faz parte inexoravelmente o adversário – e no qual cada movimento é novo e decidido a cada instante, é que dita o correr do jogo de handebol. Em pequenos espaços, grandes decisões; em poucos segundos, riscos gigantescos. Em um ritmo alucinante, a bola se transfere de mão em mão, até o momento do arremesso. Zunindo no ar, ela irá decidir quem terá o próximo momento de vibração. E é esta bola que vamos seguir ao longo deste livro; é ela que irá nos mostrar seus caminhos até o gol, seus desígnios nos mostrarão os próximos vitoriosos ou derrotados – mas todos e todas, independentemente do resultado de cada jogo, conquistarão o principal prêmio que esta modalidade oferece: a possibilidade de abrir a cabeça, sonhar, conquistar espaços, criar, competir e dançar em um ritmo diferente a cada instante. Exatamente como fazemos na vida.

Adeus aos Três Passos! O Handebol vai mudar, e muito! por Lucas Leonardo

Caros amigos, uma notícia quentinha, saída do forno!

Venho realizando um curso de pós-graduação pela Escola Superior de Educação Física de Jundiaí (ESEF-Jundiaí), coordenado pela Professora Rita Orsi, e o primeiro módulo específico sobre handebol já trouxe uma grande novidade.

Em aula ministrada por Sálvio Pereira Sedrez (coordenador do departamento de arbitragem da CBHb), algumas mudanças de regras foram apresentadas e entre elas, uma que promete mudar o que entendemos por handebol hoje.

Sai de cena o ritmo trifásico (o famoso ‘três passos’) e entra em cena a regra dos “CINCO CONTATOS”.

Uma mudança enorme e que deverá entrar em vigor no mundo a partir de agosto/2010, mas que no Brasil pode começar antes, devido à diferença de calendário das competições nacionais e européias.

Essa regra já é oficial, agora um jogador poderá realizar até cinco contatos com o solo quando em posse de bola. Essa regra, na realidade vem para tentar acabar com aquilo que em São Paulo, principalmente, virou o famoso “Mito da passada zero”.

Hoje, o handebol, segundo as regras oficiais, permite que o jogador, caso esteja em um momento de vôo, ou seja, sem tocar o chão, pegue a bola e ao cair (com um pé ou com os dois) tenha a chamada “passada zero” que não conta como um passo, logo, após a zerada, um jogador pode realizar mais três passos.

Além disso, depois dos três passos, um jogador pode driblar a bola e realizar novamente mais uma passada zero (desde que ao pegar a bola esteja novamente em momento e vôo) e depois mais três passos.

Essa forma de deslocar-se na quadra de jogo, sem dúvida, gera muita polêmica entre a relação arbitragem-treinadores-atletas, e é um dos fatores de mais erros de interpretação/reclamações de árbitros e treinadores.

Essas dúvidas ocorrem porque ao realizar a passada zero, o jogador deve ter o contato com o solo em apenas um ritmo. Cair com um pé na passada zero é naturalmente um ritmo único, logo, se o outro pé tocar ao solo, inicia-se a contagem de passos.

A grande dúvida sobre essa regra fica quando o jogador opta em cair com ambos os pés ao mesmo tempo. Se ele conseguir fazer isso, fica caracterizado um único ritmo, logo, mesmo que ambos os pés toquem ao chão, caracteriza-se a passada zero. Porém, se ao cair com os dois pés no solo, acontecer de um pé tocar primeiro que o outro (mesmo que seja em frações de segundo), caracteriza-se a passada zero e depois a primeira passada. Pronto! Está armada a polêmica!

A ideia dos “cinco contatos” é tentar acabar com essa interpretação e toda essa polêmica.

Se, ao pegar a bola estando em momento de vôo (seja por um passe, seja por ele ter driblado a bola anteriormente), o jogador cair com os dois pés, temos ali dois contatos, logo, ele poderá realizar mais três contatos para totalizar os cinco.

Se, ao pegar a bola estando em momento de vôo (seja por um passe, seja por ele ter driblado a bola anteriormente), o jogador cair com apenas um pé, temos ali um contato, logo, ele poderá realizar mais quatro contatos para totalizar os cinco.

NOSSA! Isso muda muitas coisas em nossas aulas e treinos não?! Com certeza!

Seguem algumas reflexões minhas (ainda bastante preliminares e até certo ponto polêmicas, eu sei) feitas no fim de semana sobre o assunto:

Considerações Pedagógicas na Iniciação

Com essas regras, será muito mais fácil estimular nossos alunos a gostarem do handebol. Será mais gostoso jogar com a bola, pois toda a dificuldade de fazê-los entender o que significa a tal da passada zero acabará.

Bastará ensinar que ao receber a bola, cinco contatos poderão ser feitos no chão até o momento em que ele opte ou em passar a bola, ou em arremessá-la, ou em driblá-la.

Se o handebol já era um jogo muito natural de ser aprendido nos termos ofensivos, agora será mais ainda!

Porém, ensinar a jogar sem bola (o que é uma das coisas mais difíceis do processo de ensino-aprendizagem, em minha opinião) será ainda mais difícil do que já é hoje, pois será mais difícil da criança achar razão para correr sem bola, porém, temos que ver como a modalidade se comportará com essa nova regra para avaliarmos se jogar sem bola será assim tão importante quanto é hoje ou mesmo tão afetado.

PONTOS A DESTACAR:

NO QUE SE REFERE À MAIOR POSSIBILIDADE DE ADESÃO DE NOSSOA ALUNOS NAS AULAS, PRINCIPALMENTE NA ESCOLA E NA INICIAÇÃO. PORÉM ENTEDER A VALIDADE DE JOGAR SEM BOLA SERÁ AINDA MAIS DIFÍCIL DE SER ENSINADO AOS ALUNOS.

Considerações Táticas Defensivas

Atacar será uma delícia!… mas defender… nunca foi tão difícil!

Sobre as defesas zonais altas (ou abertas, tais como o 3:3; 3:2:1 e outras variações):

* Ou elas se tornarão extremamente agressivas, a ponto de confundirem-se muito com defesas individuais;
* Ou então elas não serão mais uma boa opção, pois o jogador com a posse de bola, mesmo sofrendo contato, que caracterizaria a falta, poderá insistir um pouco mais (até dois passos a mais do que podia anteriormente) o que possibilitará maior abertura de espaços em largura, principalmente, numa defesa que já possui muitos espaços.

Imaginem um 3:2:1. O jogador mais avançado (que está no centro da quadra), ao realizar um contato no jogador com bola, poderá ser direcionado para a esquerda ou para a direita com mais largura do que hoje, pois uma das determinações visíveis hoje nas arbitragens é que a vantagem seja dada até o máximo de tempo possível. A defesa terá seu centro mais aberto (logo o centro, que tanto devemos proteger no jogo de handebol!) e se um armador cruzar com o central que atacou o defensor avançado da defesa 3:2:1 e assumir esse espaço, ele poderá com dois passos chegar ao marcador da base e com mais três passos fintá-lo.

Realmente, defender será muito difícil. O mais prático será defender-se em defesas bem fechadas, e isso implicará muito numa perca de qualidade do processo de ensino-aprendizagem de alunos da iniciação no que tange às questões estruturais defensivas.

PONTO A DESTACAR:

NO QUE DIZ RESPEITO À CARGA TÁTICA E ESTRATÉGICA, O JOGO SERÁ MUITO MAIS DE JOGADORES HABILIDOSOS DO QUE DE GRANDES ORGANIZAÇÕES ESPACIAIS ESTRATÉGICAS. O JOGO PERDERÁ BASTENTE DAQUILO O QUE HOJE É O GRANDE CHARME DO HANDEBOL – O INTENSO CONFRONTO E ESTUDO TÁTICO ENTRE DEFESA E ATAQUE! MAS GARANTO QUE QUEM CONSEGUIR LIDAR MELHOR DEFENSIVAMENTE COM ESSA NOVA REGRA (SOBRE A PERSPECTIVA TÁTICA, REINVENTANDO FORMAS DE JOGAR TATICAMENTE NA DEFESA) SE DESTACARÁ COMO UM GRANDE TREINADOR/PROFESSOR DA MODALIDADE.

Divulgação da Modalidade

Com essa mudança, o handebol será mais “bonito” de se ver sob a perspectiva da cultura brasileira. Estamos muito acostumados com o paradigma do futebol arte – voltado para jogadores muito habilidosos, que realizam dribles e fintas.

PONTOS A DESTACAR:

SE ESPAÇO NA MÍDIA BRASILEIRA É O QUE O HANDEBOL QUER, AGORA É A HORA DE INVESTIR. O JOGO SERÁ MUITO PLÁSTICO E TOTALMENTE ENGAJADO NAQUILO QUE O BRASILEIRO MAIS GOSTA DE VER NO ESPORTE: A IMPROVISAÇÃO, A DEFESA SUCUMBINDO AO ATAQUE PELA HABILIDADE INDIVIDUAL.

Conclusões (até certo ponto precipitadas)

De qualquer forma, a mudança de regras é sem dúvida válida e tornará o jogo mais dinâmico. Temos que apostar nessas mudanças para que o handebol cresça ainda mais!

Começarei, desde já a estudar com mais detalhes o que essas mudanças trarão de diferenças ao handebol, pois quero, particularmente, sair na frente!

Acho que essa deve ser a ambição de todos que trabalham com o handebol a partir de agora: sair na frente, ver como anular e como potencializar a utilização dessa nova regra do jogo.

Novos desafios se avizinham, pelo menos, até 2012, quando novamente as regras serão discutidas e pode ser que tudo volte ao normal, ou melhor, não tão ao normal, pois muitos iniciantes na modalidade já a terão vivido com a regra dos cinco contatos e ensiná-los a zerar e dar mais três passos será uma tarefa bastante difícil, mas é pra isso que estamos aqui, na parte de baixo desse imenso iceberg.