segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Procuram-se canhotos e ninguém os encontra, SÉRGIO PIRES

Procuram-se canhotos.....


Crise. Com Maldini reformado e Roberto Carlos a caminho, faltam laterais-esquerdos. Franceses e Ashley Cole são as excepções
Os apaixonados adeptos de futebol bem podem perguntar: onde param os sucessores de Paolo Maldini e Roberto Carlos? Com a aposentação do italiano, no final da última temporada, e a pré-reforma do brasileiro, que assinou recentemente pelo Corinthians, regressando ao compassado futebol sul-americano, os relvados da Velha Europa deixaram de ter como referências os dois expoentes máximos daquela que é provavelmente a posição mais carenciada do futebol actual.
Auscultados pelo DN, ex-laterais-esquerdos portugueses salientam essas duas perdas. Augusto Inácio e Dimas preferem o estilo rigoroso e pleno de garra de Maldini com o mesmo argumento: "Um lateral é, antes de mais, um defesa e, como tal, deve sobretudo saber defender bem, antes de ajudar no ataque". Já Rui Jorge é mais apologista da extravagância ofensiva e de toda a técnica e potência do "pé canhão" de Roberto Carlos. Para o ex-jogador de FC Porto e Sporting e actual técnico dos juniores do Belenenses o ainda futebolista brasileiro "marcou uma geração" e "servia de bitola para todos os outros".
Porém, bem mais difícil para este trio de canhotos é explicar a actual crise de laterais-esquerdos que atinge não só o futebol nacional, mas também as principais selecções e equipas mundiais: as honrosas excepções servem precisamente para confirmar a regra. Sim, há o inglês Ashley Cole, titularíssimo do Chelsea, cujos milhões chegam para ter no banco outro bom valor na posição: o russo Yuri Zhirkov. E há sobretudo uma legião francesa de excelentes laterais-esquerdos. Os bleus contam com Patrice Evra (Manchester United) e Éric Abidal (Barcelona) entre os preferidos do seleccionador Raymond Domenech, mas têm como reservas de luxo os jovens Gaël Clichy (Arsenal) e Aly Cissokho (Lyon) - o tal que o FC Porto conseguiu valorizar de 300 mil para 15 milhões de euros em seis meses de estada no Dragão.
Estas são, porém, excepções, que serviam às mil maravilhas os interesses de outras selecções - ou alguém tem dúvidas de que Clichy ou Cissokho eram titulares das suas selecções caso fossem portugueses ou espanhóis? Logo, alargando o espectro às principais selecções mundiais, não se encontra para já um cenário de abundância.
Holanda e Itália adoptam como respectivas soluções os veteranos Giovanni van Bronckhorst (34 anos) e Fabio Grosso (32 anos). Já o Brasil, tão órfão de Roberto Carlos quanto a Itália de Maldini, não aproveitou Fábio Aurélio (Liverpool), Maxwell (Barcelona) e Marcelo (Real Madrid) para apostar em jogadores que, apesar do talento, estão longe da valia do restante elenco: Gilberto, do Cruzeiro de Belo Horizonte, Kléber, do Internacional de Porto Alegre, e André Santos, do Fenerbahçe, têm sido opções para Dunga, que está longe de dispor à esquerda dos craques com o nível dos que tem na lateral direita - Maicon (Inter) e Daniel Alves (Barcelona). Tal como a Espanha, que do lado esquerdo conta com o apenas esforçado lateral catalão do Villareal Joan Capdevila. Por sua vez, a Argentina, já sem Juan Pablo Sorín, acabou por derivar o também algo limitado Gabriel Heinze do centro da defesa para a faixa carenciada.
A Alemanha adaptou o destro Philipp Lahm, ao passo que Portugal durante o apuramento para o Mundial evoluiu de uma solução semelhante, com Paulo Ferreira (colega de equipa no Chelsea de Ashley Cole e Zhirkov...) a jogar na esquerda, para o recuo de Duda, um extremo que tem a vantagem de jogar com o pé preferido no flanco certo mas perde pontos na dinâmica defensiva.

"Incentivar jovens a actuar em posições mais recuadas"
O que explica a falta de
laterais-esquerdos?
Não há muitos exemplos de grandes laterais-esquerdos no futebol mundial, depois de Roberto Carlos e Paolo Maldini, mas continua a haver bons jogadores nessa posição. Fala-se cada vez mais em escassez porque há menos canhotos do que destros e os que há são desde muito jovens colocados a jogar na frente, para aproveitar o seu talento. Em Portugal acontece isso; os esquerdinos existem em menor quantidade e quando eles aparecem com boa capacidade técnica há a tendência para tirar maior rendimento deles no ataque.
Acha possível em Portugal formar de base jogadores para posições deficitárias como esta?
É possível e devia de ser uma prioridade colmatar desde os escalões de base as posições deficitárias do futebol português. Há que incentivar os jovens jogadores a actuar em posições mais recuadas, mesmo que isso signifique em algu- ma medida algum prejuízo em termos de aproveitamento do talento num sector mais ofensivo.
No caso de se adaptar um jogador à posição de lateral-esquerdo, acha preferível recuar um esquerdino de um sector mais ofensivo ou apostar na troca de flanco de um lateral-direito?
Geralmente, opta-se por adaptar laterais-direitos porque um jogador que actua mais à frente não tem tanta cultura defensiva e capacidade de sofrimento para jogar numa posição recuada. Por isso, acho mais razoável adaptar um lateral-direito ao flanco esquerdo da defesa.
Qual é o seu exemplo de um lateral-esquerdo de eleição que colha a unanimidade por treinadores e adeptos?
Roberto Carlos é o expoente máximo da minha geração, ele foi a bitola para todos os outros. Outro seria o Paolo Maldini, mas num estilo de jogo mais defensivo que o Roberto Carlos.