terça-feira, 31 de maio de 2011

A pedagogia do “contato físico” no handebol

A pedagogia do “contato físico” no handebol

30 maio 2011 por Lucas Leonardo

Um dos principais autores que estudo é o francês Claude Bayer, treinador da seleção Francesa de handebol na década de 70 que, dentro do contexto atual da pedagogia do esporte tem em sua obra “O Ensino dos Esportes Colectivos” um trabalho de base, sobre o qual, muitos novos estudos surgiram e ainda devem surgir.

Visando categorizar os esportes coletivos a partir de suas semelhanças e diferenças, Bayer aponta que, com relação à forma de disputa da bola, o handebol se caracteriza como um esporte de contato físico, que em grau de intensidade, fica atrás somente de esportes como o Rúgbi e o Futebol Americano.

Ou seja, o contato físico é inerente ao jogo e, complementando esta ideia, sem sua presença, o handebol seria um esporte sem graça.

Logo, o contato físico deve ser, sem dúvidas, um conteúdo de aprendizagem, que necessita ser pedagogizado em aulas e treinos, principalmente na iniciação ao handebol.

Não falo aqui de treinos maçantes ensinando como controlar o adversário, dentro de um padrão técnico, comumente visto em treinos através de exercícios analíticos que ensinam como “encaixar” o adversário, inibindo-o.

Estou falando sobre algo muito maior e anterior ao esporte. Falo sobre quebrar um paradigma social muito presente que está relacionado ao enclausuramento do corpo.

Contato físico, como abraçar, beijar e dar as mãos, é comum em núcleos familiares (e ainda assim, nem sempre essas atitudes são observadas), porém, qualquer tipo de contato ou proximidade física com um “estranho” é mal vista.

Pense-se entrando em um ônibus cheio, a caminho de seu trabalho, de sua escola ou mesmo a caminho de uma aula/treino de handebol.

Ao entrar no ônibus você observa que existem 30 assentos, cada um com dois lugares, mas que 29 deles estão ocupados por apenas uma pessoa, deixando-se um dos assentos vazios, e apenas um assento tem dois lugares vagos. Qual é a sua escolha? Sentar-se ao lado de alguém ou procurar o assento vazio?

A resposta é simples, pois é normal, dentro de nossos padrões culturais e sociais, buscarmos um assento vazio, pois assim nos preservamos e cuidamos de nossa individualidade que é metaforicamente simbolizada por nosso corpo.

Imagine então, o caso do esporte: o contato físico, na maioria dos esportes coletivos está associado a uma ação viril (nem sempre agressiva, em verdade) quase sempre associada a uma atitude transgressora. O contato gera faltas. A falta pode gerar uma punição regulamentar. Logo, ter contato, nos esportes coletivos se caracteriza por um reforço negativo ao comportamento dentro do jogo.

Somando-se todos estes fatores ao fato de que geralmente, crianças de núcleos sociais diferentes se encontram para aprender handebol em projetos e escolinhas, tocar, encostar e ainda por cima, buscar o contato corporal com a finalidade de parar um adversário passa a ser na cabeça da criança – bombardeada desde muito nova com os conceitos e critérios sociais de preservação de sua integridade individual – a ser entendido como algo a ser evitado. Porém, no handebol, jogar sem contato é deixar de jogar, pois a modalidade moldou-se como um esporte em que, para evitar a progressão adversária, a falta se torna um recurso particularmente e taticamente aceitáveis.

Logo, o contato físico transforma-se em algo a ser ensinado, logo nos primeiros contatos com a modalidade.

Não basta ensinar a técnica defensiva (onde colocar as mãos, como posicionar as pernas e o tronco). Deve-se, antes disso transformar o contato em algo tolerável, aceitável e “normal”.

Considerando a iniciação ao handebol, pensando em categorias pré-mirim e mirim (10, 11 e 12 anos), a presença do elemento lúdico pode ser uma estratégia de ensino capaz de promover a suspensão momentânea das crianças das regras sociais que limitam a expressão corporal no sentido do outro, transformando o ambiente de aprendizagem em um ambiente cujas novas regras – condizentes à proposta de ensino (que é a tolerância ao contato físico) – sejam criadas e bem associadas pelas crianças.

Como sempre reforço, as crianças já sabem o que fazer para que a possibilidade de ter contato com o outro seja aceitável, e é por isso que ela brinca. Na brincadeira, novas e emergentes regras surgem, válidas apenas naquele contexto, de forma que, por exemplo, numa brincadeira tradicional como o pega-pega a necessidade de tocar o outro seja o principal elemento caracterizador do jogo.

Oras, então brincar de pega-pega nas aulas de handebol é uma forma de ensinar às crianças a tolerância ao contato físico? Claro que sim!

Pega-pega, pega-ajuda, pega-gelo, pega-americano, pega-corrente, mãe da rua, rio vermelho, pega-pega salve-se com um abraço, são todas variações de brincadeiras de perseguição de ótimo apelo para o início ao contato físico.

Em jogos comuns como o “passa 10″ – no qual duas equipes disputam a posse da bola e tentam realizar 10 passes para marcar um ponto – incluir uma regra simples como, se o jogador estiver sento tocado pelo adversário de frente, este não poderá receber a bola, ou então, se o jogador com bola for tocado de frente em um de seus ombros ele perde a posse da bola introduzem o conceito do contato em suas aulas.

Brincar de rúgbi, brincar de desmarque (1×1 em que um deve tentar ultrapassar o outro), traz mais especificidade ao contato, por aproximar-se muito do que se solicita no handebol.

Somente após brincar muito e entender que encostar-se ao colega não é nenhum problema – pois ao brincar, criam-se regras que valem nessas brincadeiras e que, sem o contato não se joga, mas principalmente, a ludicidade afasta momentaneamente de quem joga as imposições sociais sobre o corpo, de forma que tocar torna-se normal, agradável e tolerável – é que os principais conceitos sobre o contato regulamentar do handebol – ações defensivas, ações do pivô sobre seu(s) marcador(es) e etc.. é que devem ser abordadas.

Dessa forma, como sugestão, estendam que é necessária uma pedagogia do contato físico, antes que se cobre tal contato de seus alunos.

É necessário que seus alunos entendam que podem se tocar e que, principalmente, podem ser tocados – e que isso é normal para quem está aprendendo handebol – para, só então, o contato ser algo treinável dentro de padrões regulamentares.