Como pensar a formação de um jogador de Handebol I – Disposições Preliminares
11 Fevereiro 2009 por Lucas Leonardo
Parte fundamental desta série de artigos devo às contribuições feitas pelo Prof. Dr. Alcides José Scaglia para a área da pedagogia do esporte, em específico, a pedagogia do treinamento. Obrigado por compartilhar seus conhecimentos comigo!
Quando pensamos na formação de um atleta, em geral, pensamos de maneira bastante pontual, ou seja, no momento em que temos nosso aluno em mãos, porém, pouco se reflete em dois sentidos: o que ele já aprendeu sobre o esporte e, o que tenho que fazê-lo aprender nesse período para que ele tenha conteúdos bem assimilados sobre o esporte.
Essas questões nos remontam à necessidade de entender o processo de formação desse nosso aluno. O segredo está, portanto, na palavra processo.
Ao falarmos de um processo, falamos de uma organização feita, levando em consideração que algo será levado de uma condição para outra.
No caso da formação de jogadores (ou não de handebol) pode-se pensar no seu perfil de ingresso (entrada) e perfil de egresso (saída) desse aluno.
Dessa forma, deve-se considerar aquilo que ele possui de conhecimentos já adquiridos e pensar em como agregar novos possíveis à sua formação (como bem ressalta Jean Piaget) e também como adaptar seus possíveis às novas possibilidades presentes no jogo de handebol.
Logo, se há processo, há diferentes etapas e diferentes conteúdos a serem ensinados ao longo desse período.
Ao mesmo tempo, chega a ser utópico imaginar que seremos capazes de orientar toda a formação de um atleta de handebol em nossas mãos, surgindo o pensamento: “De que adianta eu me preocupar com a formação de meu aluno, fazendo todo trabalho adequado à sua boa formação como atleta, sendo que amanhã ele poderá ir para outro local e não sei se haverá essa preocupação nesse novo ambiente?”
A pergunta é pertinente, porém, não exclui a necessidade de fugirmos, ao menos, da máxima que o handebol a ser ensinado, seja na iniciação, seja na especialização, é o mesmo, como se as diferentes faixas etárias fossem capazes de assimilar os mesmos conteúdos sobre a modalidade.
Sim, parece estranho ler isso, mas o handebol de uma criança 10 anos não é o mesmo handebol de quem tem 18 anos. Ao menos, os professores deveriam perceber esse fato.
A possibilidade de jogar bem o jogo está totalmente direcionado à forma como os indicadores do jogo se relacionam. Esse indicadores podem ser expressos por três aspectos: a estruturação de espaço, a comunicação na ação (leitura de jogo) e relação que possui com (e sem) a bola (descritas por Júlio Garganta em 1995 como elementos que determinam o nível de jogo de um jogador qualquer), que dentro de uma perspectiva sistêmica, acabam por se influenciarem de forma a definir aquilo o que um jogador de handebol (ou qualquer outra modalidade esportiva) pode fazer dentro do jogo.
Estruturar espaço está diretamente relacionado com a capacidade física adequada à capacidade de tomar decisões sobre a melhor forma de responder as ações de seus colegas e seus adversários, aspecto totalmente relacionado com a capacidade de ler o jogo (comunicar-se na ação) e responder as ações de maneira adequada. Tudo isso, por sua vez, tem total relação com a capacidade do jogador se relacionar com a bola, não apenas no sentido estreito de ter a bola consigo, mas também de saber jogar sem a bola (fator totalmente envolvido com a estruturação de espaço e a comunicação da ação).
Essas inter-relações, por sua vez, são capazes de nos fazer observar como (com que qualidade) um determinado grupo é capaz de jogar o handebol.
Garganta (1995) destaca que existem 4 diferentes níveis de jogabilidade de acordo com as relações desses 3 indicadores (estruturação de espaço, comunicação na ação e relação com a bola), a saber: a fase de jogo anárquico, fase de descentração, fase de estruturação e fase de elaboração do jogo.
O jogo anárquico pode ser entendido como aquele que em relação à estruturação do espaço, verifica-se a aglutinação em torno da bola; em relação à comunicação na ação, verifica-se o abuso da verbalização – a famosa gritaria pedindo a bola a todo instante; quanto à relação com a bola, observa-se a presença da visão central – baseada no “eu” como a peça fundamental para a possibilidade de o jogo ser jogado.
O jogo em fase de descentração é aquele em que o grupo que joga, quando analisada a sua estruturação de espaço do jogo, ocupa o espaço em função dos elementos que compõe o jogo (em geral o gol ofensivo e o gol defensivo no caso do handebol) – surge a idéia dos jogadores que só ficam na defesa (próximo ao seu alvo) os jogadores que jogam articulando o jogo (os armadores que se posicionam mais numa região central da quadra/espaço de jogo) e os atacantes (jogadores que ficam mais próximos do alvo adversário para poder marcar gols); em relação à comunicação na ação ainda há prevalência da verbalização, porém, de forma mais organizada e direcionada aos objetivos do jogo (fazer o gol); e a relação com a bola se dá já com a utilização da visão periférica (que também confere menor dependência da bola para jogar).
No jogo em fase de estruturação observa-se em relação à estruturação do espaço a ocupação racional dos espaços do jogo, no caso do handebol, verifica-se a importância da percepção de que o jogo não deve ser apenas verticalizado, mas também jogado horizontalmente (com a bola de “mão em mão”, o que potencializa a utilização de táticas individuais e coletivas voltadas para relação entre pequenos grupos, ou seja, táticas que envolvam os jogadores mais próximos daquele que tem a posse de bola); com relação à comunicação da ação, a prevalência da comunicação passa a ser gestual e a relação com a bola passa a ser de forma proprioceptiva, ou seja, não há mais centração na bola, fator que potencializa ainda mais um jogo sem bola de maior qualidade (diretamente relacionado com a estruturação do espaço de maneira mais racional).
Na fase de elaboração, verifica-se a possibilidade dos jogadores serem totalmente capazes de jogarem o jogo formal propriamente dito, explorando todas suas possibilidades. A estruturação de espaço é feita de forma bastante organizada, tornando capaz de serem exploradas táticas mais elaboradas voltadas para toda a equipe, na qual a ação de um “ponta esquerda” influencia toda a ação do “ponta direita”, por exemplo, o que pode evidenciar a especialização dos jogadores em funções determinadas, mas que seria ainda melhor caso os jogadores pudessem exercer ações de polivalência funcional (saber jogar em várias funções do jogo de maneira autônoma). Na comunicação na ação, verifica-se a prevalência da metacomunicação (comunicação baseada nas ações do jogo e não em gestos ou com verbalização) e a relação com a bola se dá de forma totalmente baseada nas ações proprioceptivas.
Ao entender que existem diferentes níveis de jogo, conclui-se que há diferentes “handebols” possíveis para cada uma dessas fases de aprendizado.
Portanto, em um grupo iniciante (geralmente crianças, mas que pode ser em qualquer idade) acaba se encontrando coletivamente num período de jogo anárquico ou elaborado, principalmente pelo fato de não conhecerem o jogo ao qual estão sendo expostos a jogar.
O importante é observar que qualquer um de nós quando apresentados para um novo jogo coletivo, passaremos por todas essas fases de assimilação de sua lógica, nos ancorando inicialmente nas nossas experiências anteriores em outros jogos coletivos, adaptando nossos possíveis ao novo jogo, passando de um momento próprio de prevalência anárquica, para uma fase de jogo de maior compreensão de sua lógica.
Porém, havrá menor tempo de adaptação para aquele que possuir mais experiências advindas de outros jogos coletivos vividos, o que possibilitará mais rápida transição a níveis mais elaborados do jogo.
Dessa forma, para uma criança que está em sua fase inicial de aprendizagem de jogos coletivos (no nosso caso o handebol) é um grande erro pedagógico organizarmos nossas aulas tendo em vista que nossos pequenos jogadores saiam jogando o handebol baseado em elementos formais do jogo.
Geralmente, de maneira equivocada, ensinamos a nossos alunos as ações básicas de cada uma das posições tradicionais (pontas, armadores, pivô), ensinando como arremessar de cada uma dessas posições de maneira bastante centrada na técnica e especializando nossos alunos a entender de maneira fragmentada o jogo de handebol, tornando a aula em um momento monótono, baseado na realização de tarefas e no “adestramento” de nosso jovens alunos em ações ensinadas de maneira fechada, como se o jogo de handebol fosse feito de ações isoladas e sem intervenção de ações adversárias.
Para as funções de goleiro, então, sequer possui um processo de ensino, nem mesmo centrada em uma metodologia analítica e, geralmente, os menos ” habilidosos” são imediatamente isolados no gol, jogando pouco, se divertindo menos ainda, e aprendendo nada.
Logo, ao pensarmos no processo de formação de um aluno que está na fase de iniciação ao handebol, temos que entender em que nível de jogo ele se encontra quando jogando em grupo e, a partir desse diagnóstico, devemos elaborar todo um plano de trabalho que permita que o grupo atinja outro nível de compreensão do jogo, cada vez mais organizado e próximo do jogo formal de handebol dentro de sua execução e de sua compreensão.
Esse planejamento deve ser baseado na premissa de que handebol se aprende jogando mais do que o próprio handebol e, principalmente, fugindo dos meios de ensino tradicionais, mecanicistas, pautados na técnica, que fragmentm o jogo em partes e por vezes, acabam especializando precocemente um aluno para um jogo, ainda, impossível de ser compreendido por ele.
Veremos no próximo artigo uma proposta geral de um currículo para crianças de 10 a 12 anos de idade, com alguns exemplos práticos, porém, destacando elementos centrais e gerais, norteadores de parte do processo de formação do aluno em jogador (ou não) de handebol, evitando grandes aprofundamentos, pois o aprofundamento acaba, por vezes, desconsiderando os diferentes ambientes e contextos em que o handebol será ensinado.
Deve, portanto, a cada professor aprofundar as idéias gerais que serão tratadas nos próximos textos.