Tática Defensiva no Ensino do Handebol IV
– Jogos de Defesa Zona
1 Outubro 2008 por Lucas Leonardo
1. Introdução
Neste último artigo da uma série, vamos analisar a utilização de jogos para o ensino dos conceitos defensivos zonais.
Conforme destacado no primeiro artigo (Tática Defensiva no Ensino do Handebol I) anteriormente ao ensino diretivo a nossos alunos das estruturas defensivas clássicas do handebol (defesa 6:0, 5:1, 4:2 e etc..) devemos ter uma preocupação que diz respeito à formação de jogadores inteligentes para resolução dos problemas do jogo.
Direcionar nossos alunos para executarem mecanicamente estruturas defensivas formais não garante que eles saibam executá-las. Distribuir nossos alunos na quadra e dizer: “Fiquem desse jeito, cada um é responsável por sua região” é muito pouco para nossa função de pedagogos do esporte.
Conforme é destacado continuamente nesse ambiente virtual, utilizar jogos para ensinar os mais diversos conceitos e os princípios do jogo é imprescindível para que os aspectos cognitivos sejam desenvolvidos a partir de experiências motivantes e desafiantes, garantindo aos alunos a resolução continuada de problemas que o jogo apresenta e dessa forma, assimilar conhecimentos jogando (veja artigos que falam sobre o ensino pelo jogo e teoria do jogo).
Dessa forma, também para as estruturas defensivas em zona a vivência de experiências através de jogos torna-se uma importante ferramenta.
Utilizando jogos, podemos estimular a aprendizagem de Princípios Nortadores para qualquer tipo de defesa zonal clássica a ser adotada futuramente pelo aluno. Conhecer esses princípios capacita nossos alunos a saber jogar independente da forma como uma equipe que ele possa vir a fazer parte (equipe de seu colégio, equipe de sua cidade, equipe de seu estado, equipe de seu país).
Conhecendo esses princípios, nossos alunos se tornam capazes de se adaptarem às diferentes lógicas defensivas que sejam apresentadas a ele.
2. Princípios do Jogo Defensivo em Zona
Quando falamos de “princípios do jogo” estamos retirando da capacidade do aluno o foco de nosso discurso, trazendo ao jogo em si mesmo a nossa análise. Ou seja, os princípios do jogo independem do aluno e são inerentes ao jogo, de forma que esses princípios caracterizem a forma de se jogar o jogo.
Quando falamos de Princípios do Jogo Defensivos em Zona estamos caracterizando que esses princípios é que fazem a defesa em zona funcionar, ou seja, se fugirmos desses princípios estaremos abandonando a estratégia defensiva zonal, adotando outra estratégia, como a estratégia de defesa individual (ver aqui o artigo que trata dos jogos de defesa individual), ou até mesmo nenhuma estratégia defensiva.
Dessa forma, ao falarmos de defesa zona, devemos conhecer alguns princípios que a norteiam. A seguir veremos esses princípios, de forma que conhece-los tornam nossos alunos capazes de jogar sobre quaisquer perspectivas defensivas zonais (desde o 6:0 até mesmo um 3:2:1) e também a jogar contra essas defesas.
2.1. Cada um é responsável pela sua região
Ao jogar com estruturas defensivas em zona, subentende-se que cada jogador será responsável por sua respectiva região da quadra. No entanto, por ser o handebol um jogo, e portanto, dotado de complexidade, essa explicação se esvazia quando pensamos na movimentação dos jogadores atacantes que podem causar dúvidas sobre a defesa.
Dessa forma, ao tratamos de jogos com apelo para a defesa em zona, devemos também trabalhar a idéia das Trocas de marcação quando os defensores se movimentam, garantindo assim que cada jogador seja responsável pela sua zona de atuação.
Isso significa dizer que, mesmo que os jogadores atacantes que se encontram na sua zona de marcação se movimentem para outras zonas, não devemos deixar nossa região de proteção em detrimento de acompanhar os adversários, deixando esse jogador ser marcado por outro da outra região e por vezes marcando jogadores adversários advindos de outras regiões.
Esse é um erro comum – correr atrás de jogadores (aspecto comum das defesas individuais), não só quando falamos de defesas zonais, mas também quando falamos da evolução conceitual nas defesas individuais.
Dessa forma, devemos sugestionar que ao invés de correr atrás do adversário, por vezes é mais adequado – e no caso da defesa zona é um Princípio inerente a ela - ser realizada trocas da marcação, mantendo o posicionamento inicial da defesa em zona e trocando os jogadores adversários a serem marcados.
Figura 1. Nesse exemplo de uma situação de 2×2, temos na primera imagem o posicionamento inicial, no qual os defensores devem proteger cada qual sua zona (Triângulos), indicando que haverá uma troca de posto ofensivo entre os atacantes (Circulos). A segunda imagem mostra que com a troca dos atacantes também houve troca nos defensores, e pensando num conceito de defesa em zona, isso é errado. Logo, a terceira imagem mostra que mesmo que haja a troca de postos entre os atacantes, os defensores continuam cada um defendendo sua zona, não importando qual atacante esteja em sua respectiva zona, obedecendo assim ao princípio de que cada um deve proteger sua região
2.2. Cada defensor tem um atacante direto para se preocupar
Apesar de parecer um conceito defensivo individual, essa preocupação é de grande importância para o bom desenvolvimento da defesa zona.
A adoção de um ssitema defensivo em zona acaba por influenciar a organização ofensiva em organizar-se de forma a cada atacante buscar ter apenas um jogador defensor como seu respectivo marcador, e vice e versa.
No entanto, a movimentação ofensiva pode ocorrer de forma a geral algum erro nessa geometria de 1 defensor para 1 atacante, criando algumas situações de 2 atacantes x 1 defensor, o que acaba por dar vantagem para o ataque.
Isso nos leva a concluir que quando dois jogadores posicionam-se na zona de um jogador, deve haver alguma possibilidade que impeça isso de ocorrer.
Nesse momento, o princípio de que cada jogador defensor tem um atacante direto para ser marcado nos leva a discutir nosso próximo princípio: As zonas não são estáticas!
Pois uma das formas de resolver esse problema é redividir as zonas de cada jogador, de forma que esses dois jogadores atacantes voltem a ter cada um deles um respectivo defensor.
Figura 2. Na primeira imagem vemos a relação direta entre marcadores e atacantes, a partir da numeração didaticamente colocada, onde 1 marca o atacante 1, 2 marca o atacante 2 e assim por diante. Na imagem 2 vemos a forma errada de lidar com o posicionamento do antigo atacante 1, que agora também se classifica como um atacante 3, deixando o defendor 3 com dois atacantes em sua zona e na imagem 3 temos a movimentação dos jogadores defensores mais adequada para a situação ocorrida, modificando também a estrutura conceitual das zonas se compararmos com a imagem 1.
2.3. As zonas não são estáticas, elas se movimentam em relação com a localização da bola
Mesmo que inicialmente nossos alunos se organizem defendendo regiões aparentemente estáticas, ao longo do jogo pode ser verificado que uma estratégia defensiva zonal não pode ser estática, de forma que os defensores fiquem mantendo uma posição específica e não se movimentarem para além dela.
Faço aqui uma analogia ao voleibol, um jogo em que os jogadores têm, pela lógica do próprio jogo, a necessidade de defender sua zona de atuação, pois a defesa de sua zona está diretamente ligada ao fato da equipe sofrer ou não um ponto, afinal, se a bola cair na sua zona de ação, a equipe sofrerá um ponto.
Quantas vezes não vemos jogos escolares em que o jogo de voleibol se resume ao sacador de uma equipe fazendo pontos diretamente na equipe adversária com seu “potente” saque?
Ao mesmo tempo, se olharmos para a equipe que recebe o saque, fica aquela sensação de um jogo estático, parado. Por que será que isso ocorre?
Por ser um jogo de defesa zonal pela natureza do próprio jogo, verificamos um erro pedagógico muito comum no ensino do voleibol, que é ensinar aos alunos que eles devem ficar posicionados em um “x” no chão, para que não haja erros de rodízio.
Ao colocar um “x” no chão, damos uma idéia de que o aluno deve se posicionar ali e quando a bola sair de perto daquela região e vai a alguma região em que o professor não colocou nenhum “x”, a bola cai. Ou seja, a idéia de defender uma zona acaba sendo resumida a defender um local específico.
Mas e o resto? Como pode ser defendido?
Defender em zona é saber deslocar-se de forma a todos os jogadores terem conceitos comuns, sempre tendo na bola um objeto que influencia na organização zonal, capaz até de fazer as zonas serem móveis e de tamanhos diferentes para um mesmo jogador ao longo de toda a partida.
Dessa forma, também no handebol, ao indicarmos aos nossos alunos o objetivo destes defenderem regiões especificamente definidas, corremos o risco de cairmos na “pedagogia do ‘x’” comum no ensino equivocado do voleibol.
Para fugir a essa tendência reducionista, devemos elaborar estratégias de ensino que mostrem a nossos alunos que em alguns momentos do jogo determinadas regiões da quadra é que são colocadas em maior risco devendo essas regiões serem protegidas com maior ênfase em detrimento de outras.
Esse risco está diretamente ligado à posição em que a bola se encontra na circulação dela entre os jogadores atacantes. Logo, onde a bola está torna-se a região de maior perigo no jogo.
Figura 3. A localidade da bola mostra a região de maior perigo do jogo, pois o ponto (ou gol) só é obtido através dela. Logo, onde a bola está, deve haver maior proteção para que não haja perigo de sofrer o ponto (gol)
Dessa forma, podemos encontrar 3 Regras de Ação relativas a essa circulação da bola e dos jogadores: a compactação dos espaços, a basculação da defesa e a cobertura de espaços, que serão explicadas a seguir:
2.3.1. Compactação dos Espaços do Jogo
A compactação dos espaços do jogo está diretamente relacionada ao princípio de proteção do alvo, apontada por Bayer (1994) (veja o artigo que fala de jogos de defesa com base nos princípios operacionais do jogo), pois a compactação está diretamente relacionada com a idéia de manter a bola sempre à frente da linha defensiva mais adiantada da equipe.
Dessa forma, a compactação da defesa deve ter como principal relação à posição da bola, procurando mantê-la sempre à frente dos jogadores mais adiantados da defesa e também, no caso do handebol, procurando não deixar que nenhum jogador sem bola se encontre atrás do último jogador da defesa, pois facilitaria um passe longo.
Uma equipe atacante que ataca com muita profundidade leva a defesa a ter pouca compactação e uma equipe que ataca com pouca profundidade (formando uma ou apenas duas linhas ofensivas) promove uma maior compactação defensiva.
Uma equipe pode também optar em defender com pouca compactação, como é o caso de uma defesa 3:3, afastando com a idéia de afastar a primeira linha ofensiva de aproximar-se do gol.
Em fim, Optar por jogar com muita ou pouca compactação só é possível no caso das estratégias defensivas zonais, por ter a necessidade de que haja organização racional do espaços de acordo com o objetivo da equipe, como por exemplo o caso das chamadas defesas fechadas (6:0, 5:1, 4:2) e as defesas abertas (3:3, 3:2:1).
Em resumo, o princípio da compactação garante a vantagem de ter todos os jogadores defensores entre a bola e o alvo a proteger.
Figura 4. Na imagem 1 a estrutura ofensiva com pouca profundidade facilita a organização de uma defesa bem compacta enquanto que na imagem 2 uma estrutura ofensiva com muita profundidade acaba por orientar a defesa a ter duas linhas defensivas, uma mais adiantada e outra mais atrasada, dificultando a compactação defensiva.
2.3.2. Basculação Defensiva
A basculação defensiva (mostrada na figura abaixo) somada com o princípio de compactação garante que o alvo seja sempre protegido.
Figura 5. O movimento de basculação consiste em fechar com o maior número de jogadores a região de perigo representada pela presença da bola. A basculação deixa me clara a idéia de que a zona a ser defendida pode sofrer alteração de dimensões e localização durante o jogo.
A basculação caracteriza com maior clareza a idéia de que as zonas se movimentam e que não necessáriamente terão o mesmo tamanho para cada um dos jogadores em quadra.
A basculação garante que a zona em que a bola se encontrar tornar-se-á menor, mais compacta e exigindo menor deslocamento dos jogadores. Porém, as zonas mais distantes da bola tornam-se maiores, em detrimento do fato de a bola ter que viajar mais tempo para chegar a essas regiões, possibilitando que a basculação defensiva seja capaz de cobrir essa zona, voltando a diminuir os espaços em que a bola possa passar.
Figura 6. Nos movimentos de Basculação, apesar da zona sofre modificação de dimensões entre os jogadores e por vezes termos a impressão de que um jogador ficará com mais de um marcador em sua zona, a sua movimentação de um lado para o outra garantirá que nenhum jogador fique sobrecarregado.
2.3.3. Cobertura de espaços abertos em casos de flutuação de jogadores da defesa para linhas defensivas mais adiantadas
A flutuação de jogadores entre as linhas defensivas adotadas é uma ação que deve ser possibilitada numa defesa zona, principalmente pelo feto de já havermos destacado que as zonas são móveis e se modificam ao longo de um jogo.
Caso haja uma flutuação de um jogador que estava em uma defesa de uma só linha para uma linha mais alta, ele imediatamente deixa sua região desprotegida, logo, os jogadores adjacentes devem preencher essa região, re-dividindo as regiões de defesa entre eles.
No jogo de handebol isso é muito comum em casos de defesas mistas, nas quais a equipe que defendia com 6 jogadores em sistema zonal resolve adotar uma estratégia de marcação individual para um jogador em específico, deixando agora 5 jogadores defendendo as mesmas zonas que eram defendidas anteriormente por 6. Logo, há a necessidade de haver uma cobertura dessa região deixada.
A cobertura ganha ainda mais importância quando pensamos na possibilidade desse jogador que deixou sua zona inicial perder na disputa de 1×1 com o atacante adversário, pois se os jogadores adjacentes deixarem o espaço aberto, será uma vantagem a ser usada em prol do ataque
Figura 7. A cobertura defensiva garante a reorganização zonal evitando que haja desequilíbrio defensivo
3. Jogos Pedagógicos
Deixo agora um exemplo de uma matriz (ou seja, de um conceito) de jogo que pode ser explorado de maneira bastante ampla por nós professores para trabalharmos defesa em zona.
Gosto muito do jogo de pique bandeira. Ele tem em sua lógica muitos elementos que dão e ele um apelo de utilização de defesa em zona. Logo, ele é uma matriz que pode ser adaptada de acordo com os interesses do professor.
É importante deixar o jogo desenrolar, as equipes experimentarem várias formas de organização ofensiva e defensiva.
Abaixo segue um vídeo propondo uma adaptação desse jogo para confrontos de 3×3, com explicações sobre possibilidades de ser explorada.
Utilizando a mesma matriz, a nossa colaboradora Tathy Krahenbuhl cedeu imagens sobre duas formas do jogo de pique bandeira por ela aplicada em suas aulas, do projeto Gol-de-Mão, do qual sou Coordenador Pedagógico e que ocorre em Campinas através da Associação Campineira de Handebol.
A primeira parte do vídeo mostra o jogo feito numa estrutura reduzida, na qual uma equipe só ataca e a outra só defende e o objetivo da equipe que ataca é pegar a bola (bandeira) de dentro da área branca e fazê-la voltar para a sua quadra.
Os jogadores congelados continuam participando, servindo de apoio para a equipe que deve pegar a bandeira, podendo receber passes e passar as bolas.
A bola pode voltar para a quadra através de passes, sendo que não pode ser realizado um passe direto; ou então com a pessoa saindo diretamente da área branca e deslocando-se livremente para sua quadra.
A segunda parte do vídeo mostra o jogo feito sobre uma mesma estrutura de uma equipe exclusivamente atacante e uma exclusivamente defensora, porém, a equipe atacante dessa vez terá que levar a bola que está sobre sua posse para a área branca protegida pela equipe defensora.
As regras são idênticas às do jogo anterior, porém, conforme destacado, a equipe atacante deverá levar a bola para dentro da área branca protegida pela equipe adversária.
As análises que faço podem ser mais bem exploradas, mas mostram de maneira sucinta como um jogo popular pode ser utilizado de forma a criar uma matriz conceitual para elaboração de tantos outros jogos pedagógicos.
Tentem verificar se os princípios apontados nesse artigo podem ser encontrados nesse jogo.
4. Conclusão
Conforme destacado, este foi o último artigo de uma série de quatro que vieram discutir as questões do ensino das táticas defensivas na iniciação ao handebol, de forma a criar, dentro de uma perspectiva sistêmica e complexa, aumento das dificuldades para os aspectos ofensivos, buscando promover melhora dos níveis de compreensão ao jogo e de resolução dos problemas impostos pela grande intensidade defensiva.
Ensinar a defender é tão importante quanto ensinar a atacar, a final, se estamos à frente de um grupo de pessoas (crianças, jovens, adultos) que estão dispostas a apredender sobre handebol, devemos ensinar os conceitos e princípios dos jogos coletivos e do handebol em sua totalidade.
Espero ter podido ajudar e esclarecer algumas dúvidas, além claro, de deixar novas