Detectar Talentos ou Formá-los? – Um Estudo de Caso
24 Abril 2008 por Lucas Leonardo
Tenho tido contato, a partir de uma lista de discussão do Centro Esportivo Virtual (CEV) – www.cev.com.br – no qual participo de uma lista de discussões sobre voleibol, com o tema “Detecção de Talentos”.
O argumento básico de qualquer um que tenha como principal objetivo a conquista de resultados imediatos é de que se faz necessário detectar talentos na escola a partir de testes que mostrem o perfil biológico dos alunos. A através da idéia de que após esses dados serem tabelados, torna-se possível fazer um comparativo com um banco de dados e verificar aqueles que são acima da média populacional (na realidade, a média não é exatamente o índice utilizado para esse tipo de pesquisa).
Digo antes de me alongar no assunto que defendo a integridade da escola como local de socialização de conhecimentos e não abro mão da aula de educação física em detrimento de escolinhas de esporte e muito menos para utilização de projetos de “detecção de talentos”. O espaço da escola não é para isso.
Detectar índices a partir de testes biológicos pode, com certeza, auxiliar no processo de encontrar pontos fora da curva para aqueles determinados testes, porém, será que basta isso para determinar se aquela criança é um potencial talento? Será que esses testes com características tão fechadas e fragmentadas realmente tem alguma serventia?
Trago em discussão, dessa forma, o tema já tratado no artigo intitulado A Metafora do Balde, no qual descrevo a importância que os fatores biológicos advindos da idéia do inatismo, como por exemplo, a estatura e a estrutura muscular potencial de uma criança e a velocidade, têm para a boa formação esportiva, porém não depositando as fichas de que apenas isso é necessário. Pois além desses fatores, o desenvolvimento cognitivo do aluno, para a resposta aos problemas que o jogo lhe impõe, através de uma metodologia de ensino que valorize essa característica, sem contar nas questões sociais, emocionais, psicológicas e a complexidade de relações entre essas capacidades inerentes a todos ser humano, são necessárias.
Dessa forma, pensar que talentos podem ser encontrados através de testes motores é excluir a idéia de que o ser humano é bem mais complexo do que correr, saltar, alongar e empurrar – protocolo da maioria desses testes.
Outro agravante – em menor grau, em minha opinião – e o fato de que fatores maturacionais podem por vezes interferir nesses testes apontando como “talento” apenas uma criança com índices maturacionais desenvolvidos de forma prematura em relação à sua faixa etária, desenvolvendo por vezes índices de força maior que outros, o que com certeza irá alterar os resultados dos testes utilizados.
Quantas vezes, não tivemos um aluno em nossas mãos que de antemão, devido ao seu “talento”, traçamos seu futuro como esportista, acreditando que ele faria do handebol o seu futuro devido ao grande diferencial que ele possui entre os jogadores de sua categoria, mas que com o passar dos anos, passa a ser apenas “mais um” dentro do quadro de jogadores de handebol da região?
Geralmente esse desapontamento ocorre pelo fato de deixar à regalia do próprio aluno a aprendizagem do handebol, pois a velha máxima “em time que ganha não se mexe” passa a prevalecer, agora sob outra ótica: “se o jogador é talentoso, melhor não atrapalhar”.
Ora, isso é abrir mão de nosso papel como professores/treinadores de handebol. É por isso que “jovens talentos” por vezes acabam não chegando aos níveis de jogo esperado.
Um dos maiores crimes que cometemos no handebol é termos em mão um jovem jogador “talentoso” – entendam, mas alto que a média de sua idade, mais forte que a média de sua idade, mais coordenado que a média da sua idade, com maior capacidade reativa que a média da sua idade – e darmos para ele a seguinte incumbência em treinos e jogos: “bate pra dentro e arremessa” fazendo-o dessa forma achar que jogar handebol é isso: “receber a bola, dar três passadas, saltar e arremessar”.
Lembro uma vez que uma jovem jogadora com essas característica que se destacavam na sua categoria, passou um breve período de 2 anos jogando numa equipe em que trabalhei.
Era uma jogadora de idade cadete, mas que jogava também no juvenil – era de longe a jogadora com maior potencial físico também dessa categoria -, júnior e adulto, nessas duas últimas equipes era ainda uma jogadora reserva, mas que entrava com freqüência nos jogos.
Lembro-me que o seu papel na equipe cadete era “bater pra dentro e arremessar”, sendo constantemente incentivada pela sua treinadora da categoria para jogar dessa forma, ou seja, resolver o jogo.
Na categoria juvenil, na qual era também titular, e poderia perfeitamente ser a grande responsável por “levar a equipe nas costas”, a postura de sua treinadora era diferente. Nessa equipe apesar de sua potencialidade em “resolver o jogo” a treinadora tinha por objetivo ensiná-la a jogar handebol pensando no seu futuro como jogadora, e não no seu atual momento como jogadora de uma equipe Juvenil.
Essa jogadora sofria um grande conflito quando jogava pela equipe mais jovem, sendo destinada a “bater pra dentro e arremessar” e por vezes, quando resolvia tentar colocar em prática um jogo mais coletivo – devido ao treinamento da categoria juvenil, onde era estimulada a jogar dessa forma – era automaticamente repreendida pela treinadora da equipe cadete e destinada a “bater pra dentro e arremessar”.
Uma pena o conflito que essa jogadora sofria.
Eu era um de seus incentivadores no sentido de direcioná-la a dar mais atenção para as instruções da treinadora da equipe juvenil, que sabiamente a estimulava a aprender a jogar mais com o grupo, pois a treinadora sabia que essa “diferença”, predominantemente física, que a jogadora possuía não seria mais relevante, ao passar dos anos.
Uma treinadora caminhava pelo paradigma da “detecção de talentos” e a outra caminhava pelo paradigma da “formação do talento”.
Digo, definitivamente, que incondicionalmente valorizo a segunda professora.
Sábia professora!