terça-feira, 3 de novembro de 2009

Análise do Jogo – Scout e Categorias de Análise por Lucas Leonardo

Neste artigo não tratarei da sistematização aplicada de planilhas de scout, mas discutirei a construção de modelos de análise do jogo a partir de uma discussão metodológica, para que todos possam ter certa autonomia na construção de seus modelos, de acordo com seus interesses de análise.
Destaco antes de qualquer desenvolvimento acerca do tema, que tenho estudado os jogos esportivos coletivos (JEC) a partir do ponto de vista deles pertenceem a uma família única de jogos dentro das variadas manifestações esportivas, pois de acordo com a base teórica que adoto (Bayer, 1992; Daolio, 2002; Scaglia, 2003, Reverdito e Scaglia, 2009 entre outros autores) os JEC são dotados de uma matriz funcional baseada em princípios que para a grande maioria dos desportos de invasão de território (basquetebol, futebol, futsal, rugby, o handebol etc..) são comuns.

Ainda venho estudando os JEC sob a visão da teoria dos sistemas dinâmicos, o que torna capaz compreender porque existem tantos fatores imprevisíveis dentro dos JEC, fazendo-os dotados de grande complexidade.

Estes conceitos que englobam (1) os princípios comuns entre as modalidades coletivas, (2) a concepção de que o jogo é dotado de imprevisibilidade e complexidade; são a base para pensarmos uma Análise do Jogo de qualidade.

1. O que é Scout?

Se procurarmos pela Internet o tema SCOUT, vamos nos deparar com algumas surpresas, e pouco encontraremos de interessante e profundo sobre a coleta de dados técnicos e táticos do jogo.

Sugiro que, a partir de agora, tratemos desse assunto – utilização de scouts – como sendo a utilização da Análise do Jogo - termo acadêmico para estudos dessa área. Adiantando que se utilizarmos essa terminologia em Inglês (Match Analisys) teremos muito mais sucesso em pesquisas sobre o assunto no google, por exemplo.

2. Construindo Modelos de Análise do Jogo sob a perspectiva dos princípios, complexidade e imprevisibilidade dos JDC:

Quando pensamos – quais serão as categorias de análise? – quase sempre caímos no mesmo roteiro de itens: passse certo e errado, arremesso certo e errado, erros gerais, gols feitos, 7 metros errados e convertidos, ou seja, análises de atitudes técnicas.

Mas será o Jogo apenas um somatório de técnicas e ações certas e erradas?

Vamos pensar o ensino do handebol na iniciação:

Quando ensinamos passes aos nossos alunos, quase sempre adotamos a seguinte postura – aprender a fazer passes, de longe, de perto, quicado, pronado, de ombro, numa relação 2 a 2, ou seja, em pares, usando os passes de maneira isolada de seu contexto.

Ora, será que essa forma de ensinar promove uma trasnferência para o jogo? Quantas vezes não observamos na iniciação que os passes são predominantemente altos, sobrepondo os adversários (o famoso passe ‘balão’, como costumamos falar)? Os alunos usam todas as técnicas ensinadas isoladamente como descrito anteriormente? Claro que não, mas por que?

O ensino da técnica de forma isolada nos remete a um erro pedagógico óbvio: em que momento do jogo nosso aluno irá realizar um passe sem que ele esteja pressionado ou pelo adversário ou pela necessidade de decidir rapidamente o melhor local para passar a bola para seu colega que se desloca na tentativa de enganar seu adversário?

Acredito que praticamente nunca, uma vez que o jogo (dotado de complexidade e imprevisibilidade) torna a ação de “passar a bola” um momento de grande necessidade de compreensão do que há ao redor da execução dessa ação.

Portanto, o “ensino do passe” deve ter como pressuposto a presença de obstáculos, adversários, movimentações e pressão para o acerto da ação, sendo, portanto, muito mais do que “ensinar a técnica do passe”, mas sim de ensinar o seu aluno a encontrar a melhor forma de fazer sua equipe manter a posse de bola, progredindo em direção à meta adversária, através do apoio de seus colegas de equipe.

Façamos uma analogia à Análise do Jogo: se o ensino do passe feito de forma isolada não tem uma transferência imediata ao ato de joga na iniciação, analisar o passe de maneira isolada tem razão de ser o paradigma de análises de um jogo, uma vez que o passe pressupõe todas aquelas características já citadas? – Onde está meu adversário? O que ele está fazendo? Onde está meu colega de equipe? Ele está pronto para receber o passe? Ele é minha melhor opção de passe?

Pergunto ainda mais, será que vale a pena categorizar o passe como objeto de análise? Ou a finalização, ou as defesas de um goleiro, isoladamente? Acredito que não.

3. Se não devo analisar a técnica, o que devo analisar? Categorias de Análises

Para conseguirmos definir quais são as categorias de análise do jogo, utilizo-me do quadro abaixo. Esse quadro nos mostra os princípios básicos dos JEC, principalmente dos de invasão de território. Qualquer um dos JEC que imaginarmos dentro dessa sub-categoria (jogos de invasão), podem se adequar a essa estrutura de jogo.

Dessa forma, podemos pensar que, ao invés de analisar o passe (técnica isolada), posso – utilizando-me da explanação já feita na referido artigo – analisar como uma determinada equipe vem encontrando a melhor forma de fazer sua equipe manter a posse de bola, progredindo em direção à meta adversária, através do apoio de seus colegas de equipe.

Ora, essa categoria de análise, apesar de uma grafia bastante longa, foi desenvolvida a partir da união dos princípios de conservação da bola e progressão dos jogadores e da bola até a meta contrária (observados na tabela anterior) caracterizando-os como categorias de análise de jogo.

Essa categorização nos possibilita: (1) observar a qualidade dos passes em relação à posição adversária; (2) observar quais atitudes sem bola um jogador de minha equipe executa para facilitar a progressão de um jogador em posse de bola (bloqueios, cortinas, chamando a atenção da marcação em um contra-ataque, etc..); e outras possibilidades. (3) se o planejamento da execução do passe foi o mais adequado (se havia algum jogador em melhor condição para receber a bola, por exemplo).

Outras tantas categorias de análise podem ser conseguidas a partir do quadro a cima, por exemplo, se elencarmos a progressão dos jogadores e da bola até a meta contrária e impedir a progressão dos jogadores da posse de bola até minha meta, verificaremos uma análise que relacione as estratégias de ataque de uma equipe em relação às estratégias defensivas de outra equipe.

Posso observar (1) como o ataque se comportou quando sofreu uma marcação 5+1, observando quais estratégias ofensivas foram utilizadas para melhor orientar a organização defensiva (2) qual foi o comportamento do jogador marcado individualmente; (3) analisar se a abertura da primeira linha defensiva foi benéfica para a equipe defensora, etc..

4. Conclusões

(1) Este artigo vem com maior interesse de uma abordagem teórica que mostre a importância de conhecer quais são os princípios do jogo, pois a partir deles torna-se possível categorizar elementos para a análise do jogo.

(2) A análise da técnica isolada acaba sendo substituída por análises situacionais, que podem ou não encontrar padrões de ação das equipes – caso seja encontrado padrões, esses devem ser estudados; caso não seja encontrado padrões, conclui-se que para jogar contra aquela determinada equipe, deve ser observado a aplicação de variadas atitudes táticas ofensivas e defensivas, individuais, grupais e coletivas.

(3) A utilização da técnica para as análises continua, porém indo além do certo e errado, pautando a análise nas situação em que a atitude técnica ocorreu.

(4) Além dos princípios do Jogo, o handebol possui, de maneira bem estruturada, quais são os meios táticos ofensivos e defensivos, individuais, grupais e coletivos em bibliografia. Esses meios táticos podem ser categorias precisas de análise.

(5) A tentativa de analisar por completo um jogo limita as possibilidades de análises mais profundas. É interessante que seja observada para cada tipo de partida e de fase de treinamento, quais das relações entre princípios do jogo e meios táticos do handebol devem ser utilizadas, a fim de dar maior profundidade às análises.