segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Professor de Iniciaçao Jogo de Defesa 2Jorge Knijnik

Jogo de Defesa 2

28 Outubro 2009 por Jorge Knijnik

Por Jorge Dofman Knijnik

Professor da School of Education, University of Western Sydney (NSW, Australia)

Relembro que este texto é parte do meu livro “Handebol” recentemente lançado pela editora Odysseus (www.odysseus.com.br). Agradeço ao editor Stylianos Tsirazis a gentileza de autorizar a publicação deste trecho neste importante sítio do handebol da comunidade lusofona.

No artigo anterior, discorri sobre os possiveis e diferentes objetivos do jogo de defesa.

Vejamos agora quais os princípios gerais[1] do jogo de defesa, dentro de cada uma das três fases indicadas (retorno defensivo, defesa temporária e defesa organizada).

a) Princípios da fase do retorno defensivo

- atitude mental que conduza a uma grande vontade de realizar um rápido retorno à própria quadra, para proteger a baliza, sem nunca perder o contato visual com a bola e com todos os elementos do jogo, colegas e adversário;

- dificultar o contra-ataque adversário, tentando recuperar a bola;

- pressionar o jogador em posse da bola, para impedir ou atrapalhar o contra-ataque, por meio de dissuasões, obstrução da visão (bloqueios, saltos) da quadra, ou mesmo conduzindo-o às laterais e zonas menos perigosas da quadra;

- leitura do jogo para observar que a equipe não fique em inferioridade numérica durante o contra-ataque, em nenhuma região da quadra, especialmente naquela em que se encontra a bola.

b) Princípios da fase da zona defensiva temporária

- colaboração entre os defensores para evitar ou dificultar o acesso aos espaços vazios, isto é, que todos estejam conscientes da tarefa de proteger os espaços criados entre cada jogador;

- clareza que o espaço entre dois é responsabilidade de ambos;

- atividade e concentração perenes;

- amplitude de ocupação de espaços;

- observar a bola, se concentrando de tal forma que se evite a inferioridade numérica em qualquer lado da defesa, mas principalmente naquele em que a bola se encontra.

c) Princípios da defesa posicionada ou organizada

- Proteger a área e consequentemente a baliza, por meio de bloqueios corporais e com os membros superiores e deslocamentos;

- Tentativa constante de recuperação da bola, por meio de interceptações, dissuasões, criação de falsos espaços (“fintas” de defesa) onde a recuperação possa ser rápida;

- Pressão ao portador da bola, sobretudo àquele que se dirige ao gol;

- clareza que os espaços defensivos entre dois defensores são de responsabilidade de ambos, em qualquer sistema organizado nenhum jogador deverá ficar marcando isoladamente, o conceito de ajuda e responsabilidade mútua sobre os espaços deve sempre estar presente;

- a ativação e a concentração constantes na defesa são essenciais, e o seu contrário é punido por gols;

- deve-se manter a visão constantemente na bola, sem, contudo perder a visão dos atacantes, sejam eles de responsabilidade direta ou indireta daquele defensor;

- defensores nunca podem ficar em linhas verticais, isto é, nunca algum defensor pode estar atrás de outro. Devem tentar criar-se triângulos defensivos, nos quais o vértice é aquele que ataca a bola, e nas bases há dois colegas prontos para a ajuda mútua.

Sistemas defensivos

Os sistemas defensivos são formas que as equipes encontram de organizar a sua defesa na terceira fase do jogo de defesa, isto é, no momento da defesa posicionada. Desta forma, conforme os seus objetivos, porém respeitando os princípios que devem sempre ser muito bem esclarecidos , as equipes montam estratégias de jogo, que podem variar conforme o adversário atue e se modifique, ou mesmo de acordo com novos objetivos que ocorram no meio do jogo. Significa que é necessário se arriscar por estar precisando retomar a bola ao final da partida, ou, ao contrário, necessidade de se resguardar para não levar um gol decisivo. É interessante notar que equipes de alto nível possuem pelo menos dois subsistemas defensivos bem treinados e prontos para serem usados e modificados conforme as situações de jogo os solicitem.

Os sistemas defensivos podem ser classificados em:

a) Sistema de marcação individual – antigamente conhecido como “homem a homem”, embora as mulheres também joguem handebol! Como o próprio nome já menciona, propõe que cada jogador marque individualmente um correspondente adversário, em qualquer lugar designado.

b) Sistemas de marcação por zona (ou região) da quadra – de forma oposta ao sistema individual, caracteriza-se por posicionar os jogadores em diferentes regiões da zona defensiva, responsabilizando cada um por uma destas regiões, as quais certamente se sobrepõem e possuem intersecções umas com as outras. O jogador, porém, se mantém atuando na sua zona, seja ela grande ou pequena. Há dois tipos de sistemas por zona, os sistemas por zona fechados(ou recuados) e os sistemas por zona abertos (ou avançados).

c) Sistemas de marcação combinados ou mistos – combinam (misturam) algumas características da marcação individual, com outras dos sistemas por zona, ou seja, enquanto alguns defensores atuam como marcadores individuais, outros marcam em suas zonas.

Vejamos agora como atuam e quais são os sistemas compreendidos em cada uma destas categorias:

O sistema de marcação individual pode ser realizado na quadra toda (o que é um desgaste muito grande), na meia quadra de defesa, ou mesmo em espaços mais reduzidos, como até os 15 metros da baliza. É muito utilizado e recomendado nos processos de iniciação ao handebol, com crianças de oito a 12 anos, pois é um jeito de ensinar todas as atitudes importantes e os princípios defensivos fundamentais. Além disso, o jogador também aprende a ter determinação, vontade de defender, retomar a posse de bola, dissuadir, interceptar e ajudar o companheiro que foi ultrapassado. A marcação individual também faz com que os atletas não fiquem parados em uma zona defensiva, como muitas vezes os iniciantes fazem, praticamente sem nenhuma ação durante muito tempo. A concepção deste sistema obriga os jogadores a se deslocarem constantemente, provocando um aumento inclusive das demandas energéticas sobre o sistema aeróbio – é um treino intervalado bem intenso. Assim, ao lado de toda a carga perceptiva que este sistema trabalha, ele é um bom treinamento cardiorrespiratório.

No entanto, engana-se quem pensa que o sistema individual é somente utilizado na iniciação. Muitas vezes uma equipe, ao final do jogo, nos últimos cinco minutos, por exemplo, está perdendo por uma diferença de quatro ou cinco gols, e se arrisca na marcação individual, para surpreender os jogadores adversários e recuperar rapidamente a bola, partindo para o gol e diminuindo a diferença.

A marcação individual foi muito empregada por equipes africanas na década de 1980 e início da década de 1990. O objetivo deles era, com esta marcação cerrada, sob pressão na quadra toda, reverter e anular a vantagem antropométrica das equipes europeias, pois os jogadores altíssimos, sobretudo da Europa do Leste, não teriam um grande espaço no ataque para se sobrepor por cima dos africanos, que por vezes tinham média de estatura 25% menor que a dos europeus. Marcando desta forma, os argelinos conseguiram conquistar uma grande vitória na competição masculina de handebol da Universíade[2] de 1985, batendo a antiga União Soviética.

Presenciei esta mesma Argélia disputar a final masculina da Coppa Interamnia[3] contra a Hungria, em 1990, na categoria júnior (rapazes de até 21 anos). Debaixo de um sol do verão italiano das duas horas da tarde, os rapazes argelinos correram a quadra toda, durante os sessenta minutos do tempo normal de jogo, pressionando e dificultando enormemente a vida dos húngaros, acostumados a jogarem contra defesas zonais. A Argélia teve tudo para ganhar a partida, quando um jogador interceptou uma bola (fato que ocorre muito na defesa individual) e rumou livre para o ataque, em direção ao goleiro, quando faltava cerca de 20 segundos para o final da partida. Infelizmente para os argelinos, este jogador, ao invés de decidir o jogo, errou o gol, arremessando de forma equivocada, nas mãos do goleiro, que rapidamente lançou para o ataque, e os húngaros empataram a partida. Na prorrogação, em virtude do grande desgaste físico e mental provocado por este tipo de marcação – na qual ninguém pode se desligar nenhum segundo, a ativação é constante e com uma frequência muito alta –, o time da Argélia sucumbiu e perdeu o jogo. Mas isso certamente mostra que a marcação individual pode inclusive ser empregada por equipes adultas para diminuir a diferença técnica ou antropométrica que muitas vezes ocorre entre duas equipes.

Contrariamente ao sistema individual, os sistemas por zona delineiam uma região em que cada jogador deve permanecer e realizar suas ações defensivas. Neste caso, a soma e a articulação de todas elas farão um bom sistema funcionar de acordo com seus objetivos. Há basicamente dois tipos de sistemas por zona, ou subsistemas: os sistemas por zona fechados (também conhecido como recuados), e os por zona abertos, ou avançados.

Os sistemas conhecidos como “fechados” são aqueles que, em termos de profundidade da quadra, atuam de forma compacta, muito mais na amplitude da área do que saindo na direção do adversário, e assim não oferecem grandes espaços laterais entre os seus jogadores. Visualmente, eles são “fechados”, ou seja, se olharmos por cima deles, veremos que diminuem mais os espaços entre seus jogadores, pois a sua maior preocupação consiste em realmente fechar os espaços próximos à primeira linha defensiva (área do goleiro, seis metros). Nesta classificação enquadram-se os sistemas 6:0 e 5:1.

Sistema 6:0

Neste esquema, seis jogadores se colocam lado a lado juntos à primeira linha e nenhum junto à segunda linha defensiva. Geralmente, os externos devem marcar diretamente seu oponente frontal, ao mesmo tempo em que, conforme os princípios do jogo de defesa atuam na cobertura e ajuda do marcador lateral colocado ao seu lado, ou mesmo do pivô se este se colocar entre ele e o marcador lateral, e se o seu oponente direto não estiver em posse da bola. Já os marcadores laterais têm uma função relativamente mais complexa, pois devem marcar o seu oponente direto, através de bloqueios defensivos, ou então, por vezes, se for um bom arremessador, marcá-lo na altura dos nove ou até 11 metros. Deve ainda apoiar e ajudar o marcador externo, bem como o marcador central que está ao seu lado, principalmente na marcação do pivô, quando ocorre incessante trabalho de coberturas de espaços, e troca de posições entre os marcadores laterais e centrais. Os marcadores centrais, por sua vez, devem se preocupar com a marcação do armador central e do pivô, fazendo trocas de marcadores ou eventualmente de posição entre um central e outro. Também é função destes jogadores ajudarem os marcadores laterais em coberturas de espaços onde o pivô possa se esgueirar, ou em bloqueios de arremessos de médias e longas distâncias. O sistema 6:0 atua em bloco, o que é uma de suas características interessantes, pois se há alguns anos este sistema defensivo era facilmente reconhecível, quando os jogadores ficavam em linha próximos à área do goleiro, atualmente os jogadores que assim atuam têm uma grande locomoção, estão o tempo todo indo na direção da linha dos nove metros para marcarem, e recuam, e “flutuam” naquela direção novamente. Grandes equipes atuam neste sistema, como a Alemanha no masculino (campeã mundial em 2007), ou a Rússia no feminino (também campeã mundial no mesmo ano). O que define mesmo um sistema 6:0 atualmente é a posição inicial, com todos na primeira linha, e a recuperação constante para este ponto de partida, mesmo que o sistema se movimente e se desfigure durante as diversas movimentações que realiza.

Posto isso, cabe uma pergunta: vale a pena empregar o sistema 6:0? Em quais situações? Penso que a resposta a esta pergunta passa pelos objetivos e estratégias de jogo que cada treinador ou professor possui, e que ela sempre será modificada. Desta forma, vale analisar o que o sistema lhe oferece, quais os seus pontos fortes, e os fracos.

Vantagens do sistema 6:0

a) Num primeiro momento, as tarefas de cada defensor são mais claras, mais definidas, e os espaços que ele tem que percorrer e cobrir são menores;

b) Pelo espaço junto à área do gol ser pequeno, dificultam a movimentação dos atacantes de seis metros (pontas e pivôs), e as infiltrações e arremessos da linha dos seis metros;

c) Facilita a função de apanhar os rebotes do goleiro, pois o espaço dos seis metros está suficientemente coberto.

Desvantagens do sistema 6:0

a) É frágil contra arremessos de média e longa distância, pois não tem profundidade;

b) É frágil no trabalho de dissuasão e retomada (interceptação) da bola;

c) Não dificulta a livre movimentação do adversário tampouco da bola, sobretudo na região dos nove metros.

Sistema 5:1

Neste sistema, cinco jogadores se mantêm próximos à linha da área do goleiro, enquanto um avança para a segunda linha, na intenção de dissuadir passes e movimentações, sobretudo na região mais central da defesa. Também é um sistema fechado, pois há cinco defensores ainda cobrindo a primeira linha defensiva, que também atuam em bloco com poucas flutuações, como no 6:0. A diferença é que já há um avançado, o “bico”, que faz com que a defesa ganhe em profundidade. Nas demais posições, a atuação e as funções são semelhantes às do sistema 6:0, a grande diferença realmente é o jogador avançado, que deve evitar os arremessos de média e longa distância do armador central, ajudar a combater as trajetórias diagonais dos armadores laterais, fazer os trabalhos de dissuasão e interceptação da bola nos passes entre os armadores, e muitas vezes partir para os contra-ataques. Ufa! O “bico” fica um pouco sobrecarregado. Assim, deve ser um jogador muito esperto, com grande capacidade de leitura do jogo, de antever passes, criar espaços ilusórios, para depois retomar a bola, e com grande disposição de correr riscos, tudo com um bom preparo físico, principalmente para mobilidade e explosão de pernas e corridas. Mesmo com este desgaste, a posição atrai grandes jogadores, e há muitas histórias de sucesso de pessoas que atuam nesta posição, que viraram grandes nomes no handebol, e mesmo artilheiros, jogando em uma posição da defesa! Podemos citar o caso do francês Jackson Richardson, bicampeão mundial de seleções (1995 e 2001), medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Barcelona, e melhor jogador do mundo de handebol em 1995. Este jogador, na década de 1990, atuando somente na defesa, como avançado num sistema 5:1 em “L” feito pela França, foi decisivo na conquista deste primeiro título mundial pelos franceses, pois a sua capacidade de dissuasão e interceptação de bolas era tão grande, que ele foi um dos principais artilheiros daquela campanha, atuando somente na defesa e em contra-ataques, e descansando no momento do ataque organizado. É um grande exemplo de como é cansativo atuar como “bico”, embora muito gratificante! Muitas grandes equipes atuam assim, como o tradicional Esporte Clube Pinheiros, ou a equipe russa feminina, bicampeã mundial em 2005 e 2007.

Vale a pena atuar com este sistema? Novamente devemos analisar seus pontos positivos e negativos, para pensar nas estratégias de acordo com as situações reais, os nossos jogadores e a equipe adversária. Sim, pois não adianta nada querer marcar o 5:1 se a nossa defesa não se adapta, se não achamos nenhum jogador inteligente e capaz o suficiente para atuar de modo avançado.

Vantagens do sistema 5:1

a) Ganha em profundidade em relação ao sistema 6:0, sobretudo na região central da defesa;

b) Mantém a amplitude e a cobertura da área, sendo bom para apanhar os rebotes defensivos;

c) Quando agressiva, já é mais ativa na dissuasão e interceptação de passes.

Desvantagens do sistema 5:1

a) Deixa mais desprotegidos os marcadores laterais (nº 2);

b) “Abre” a defesa sem resolver o problema dos arremates de média e longa distância das laterais esquerda e direita do ataque;

c) Quando defensiva, não atua na dissuasão e interceptação dos passes;

d) É frágil contra um ataque com dois pivôs.
[1] Baseados e adaptados de Miguel Ribeiro, “Princípios do Jogo”, AndebolTop 3.