quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Sou professor de iniciação ao Handebol, e agora?,Lucas Leonardo

Quantas vezes em nossa carreira profissional não surgem novas oportunidades que as vezes deixamos escapar por falta de conhecimento e/ou de coragem de arriscar em uma área praticamente desconhecida?

Refletindo sobre nossa formação acadêmica, nós profissionais de educação física que tivemos um passado como atletas ou como praticantes assíduos de determinadas modalidades, quase sempre pendemos para dar mais atenção para modalidades esportivas às quais tivemos contato prévio, deixando sempre a desejar um pouco de atenção para aquelas modalidades às quais não tivemos contato ou não temos interesse em nossa época de formação.

Em algumas universidades e faculdades, por sinal, nós ainda quando graduandos ou recém chegados na vida acadêmica temos a possibilidade, inclusive, de escolher quais modalidades esportivas são de nosso interesse para termos aulas sobre estas, descartando literalmente a possibilidade de acesso às outras. Grande falha das instituições de ensino superior (IES), mas essa balisada pelo histórico de alunos que ao passarem por aulas de modalidades as quais não têm interesse real, geralmente não demonstram o menor esforço de aprendizagem do mínimo para saber ministrar aulas de diferentes modalidades esportivas.

Mas o mercado está aí, e não somos nós que o regulamos.
Este artigo vem para aqueles que, depois de uma formação profissional deficitária, seja pelo perfil da IES, seja pelo seu interesse naquela ou noutra disciplina, encaram a seguinte pergunta: Sou professor, tenho que ministrar aulas de handebol na iniciação, e agora?

Uma das saídas mais comuns para esse tipo de problema, quando a situação é aceita – a final, não conheço uma classe profissional mais “corajosa” para encarar novos desafios do que a nossa – é a busca de referências em livros técnicos de handebol e também livros de regras. Outra saída comum é buscar com algum conhecido que tenha sido atleta da modalidade dicas sobre o que ele fazia quando atleta para reproduzir tais atividades em nossas aulas da iniciação.

Essas alternativas mais tradicionais correm para um risco – tornar nossas aulas de iniciação de handebol um ambiente de TREINAMENTO DE HANDEBOL.

A busca desse tipo de referencial quase sempre decai sobre uma forma de ensino tradicional da modalidade, pautada em modelos competitivos e pouco adaptável à realidade de nossos alunos iniciantes na modalidade, transformando um ambiente de INICIAÇÃO em um ambiente que anseia por ESPECIALIZAÇÃO PRECOCE e RESULTADOS IMEDIATOS – nada mais contraditório!

Trago nesse artigo uma proposta metodológica, que apesar de buscar o conhecimento da modalidade em seus aspectos técnicos e também quanto às regras do jogo, tem como objetivo exatamente fazer com que através de adaptação desses elementos os alunos possam ter acesso à modalidade de maneira que os motive nas aulas, que possibilite a participação dos alunos através da maior inclusão possível de todos nas aulas e que balisem a atuação do professor em paradigmas diferentes daqueles do alto-rendimento.
Uma maneira de encontrar ferramentas de atuação como professor de handebol é apontada por Daolio (2002) em um artigo onde ele propõe o ensino dos jogos desportivos coletivos (JDC) a partir da compreensão de seus princípios. Os princípios dos JDC são, segundo Daolio baseado em Bayer (1992), descritos de acordo com as relações descritas no quadro abaixo:

A interpretação desse quadro deve ter como referência a posse de bola, nos levando à seguinte leitura:
Num jogo, a equipe que detém a posse de bola (atacante) deve manter sua posse, buscando avançar à meta adversária, visando marcar um ponto. Em contrapartida, quando a equipe em posse de bola tenta mantê-la, a equipe defensora deve buscar recuperá-la, evitando a progressão adversária à sua meta, que deve estar sempre protegida.

Podemos observar que esses seis princípios interagem entre si. Esses princípios são inerentes a qualquer JDC que possua a característica de disputa direta pela bola através da invasão do campo adversário. Estão nesse grupo, além do handebol, também o futebol, basquetebol, rugby, hóquei, etc..

Observando esse quadro e a relação desses princípios do jogo, podemos ter nele dicas importantes que agregadas ao conhecimento das regras da modalidade, nos permitirão desconstruir a necessidade de termos como referencial de ensino a abordagem competitiva do handebol.

O conhecimento de regras básicas da modalidade, tais como o trifásico, o duplo trifásico, a necessidade de cobrança dos laterais com um dos membros sobre a linha lateral, as possibilidades de utilização de goleiro como jogador de linha, o fato de não haver escanteio caso o goleiro espalme a bola pela linha de fundo e a existência de uma área restrita para os jogadores da linha, por exemplo, associado ao conhecimento dos Princípios que regem os JDC podem nos indicar um caminho sólido para a iniciação ao handebol.

Vejamos um exemplo de atividade que pode ser orientada a partir do conhecimento dos Princípios do Jogo e das regras do handebol a cima descritas:
Tendo como base as relações de progressão à meta pela equipe atacante e as ações contrárias da equipe defensora, podemos desenvolver uma atividade em espaço reduzido no qual o alvo, seja na realidade um “alvo-companheiro” móvel, ou seja, um jogador da equipe que ataca – facilitando o acesso ao alvo – protegido por uma área onde ninguém possa ter contato e limitado em seu deslocamento por uma área menor e interna à área maior, e disputado numa estrutura 3×3+”alvos-companheiros”

A estrutura da atividade poderia ser a seguinte, por exemplo:

Fig 1. Estrutura da atividade disputada em 3×3 mais “alvo-companheiro”

Fig 2. Estrutura da atividade disputada em 3×3 mais “alvo-companheiro” organizada no espaço de uma quadra poliesportiva comum – 3 bolas e 24 alunos em atividade simultaneamente

Nessa atividade os jogadores da linha têm que entregar a bola para o “alvo-companheiro” sem poder, porém pisar na área do alvo, não valendo lançar a bola ao “alvo-companheiro”, que por sua vez, por ter um limite espacial onde possa se deslocar possibiliatrá o estimulo dos jogadores da linha a saltar em progressão ao alvo. Cada jogador terá a chance de dar três passos com a bola ou ficar 3 segundos com a bola na mão sem movimento, não valendo quicar a bola (driblar).

Trata-se, portanto, de uma atividade baseada por regras específicas da modalidade, tais como as áreas limitando a ação dos jogadores de linha, a possibilidade do trifásico – pensando o aprendizado do trifásico, colocaremos como a única forma de deslocamento a realização das três passadas, visando concentração da atenção nessa forma de deslocamento – tendo como princípio regente da atividade a progressão da bola em direção ao alvo adversário.

Outras atividades podem ser pensadas a partir das relações dos princípios do jogo, tal como atividades de manutenção de posse de bola de uma equipe contra a tentativa de recuperar a posse de bola por outra equipe, na qual vale deslocar-se apenas sem bola, ou se com bola apenas driblando, em pequenas equipes de 4 ou 5 jogadores, e a cada 10 passes a equipe perde um jogador para a equipe que tenta recuperar a posse da bola;
Estrutura possível para essa atividade:

Fig 3. Estrutura da atividade com base nos princípios de Manutenção e Recuperação da Posse de Bola
Atividades exclusivas de finalização ao alvo e defesa do alvo, no qual grupos de 3 jogadores devem realizar finalizações a gol de uma determinada região da quadra (pontas, armação esquerda – 1ª ou 2ª linha ofensiva) tendo que percorrer toda a extensão da quadra com apenas 2 passes ou menos, não podendo quicar a bola mas podendo apenas realizar o trifásico para deslocar-se, sem a presença de adversários de linha, tendo como adversários o limite de passes e também a presença de 3 goleiros fechando o gol – trio que atacou anteriormente que estará sendo exposto à situação em que o goleiro deve posicionar-se de forma a não deixar o goleiro que fica mais a frente cobrir a visão da bola, semelhante ao marcador que posiciona-se em defesa zona, fechando o máximo de espaço do atacante-finalizador – estimulando a busca de espaços vazios onde a bola possa ser colocada no gol para os atacantes
Estrutura possível:

Fig 4. Estrutura da atividade com base nos princípios de Finalização ao Alvo e Defesa do Alvo com 3 goleiros
É possível observar, portanto, que mesmo que nunca tenhamos tido contato com o handebol, basear-se nos princípios que regem os JDC e associando às regras da modalidade que determinam suas particularidades, pode-se ter uma fonte rica de criação de jogos que com uma pitada de criatividade nos leva a um universo de jogos que desconstruam a necessidade de ter como referencial o handebol competitivo, tornando possível aos alunos acesso aos princípios do handebol de forma gradual, estimulante e diversificada.
Se você se vir na seguinte situação: “Sou professor de iniciação ao Handebol” espero que com essas bases em vez de você pensar “e agora?” surja um sentimento de “vamos lá!”

Bibliografia
BAYER, Claude. La Enseñanza de los Juegos Deportivos Colectivos. 2. ed. Barcelona: Hispano Europea, 1992.
DAOLIO, Jocimar. Jogos esportivos coletivos: dos princípios operacionais aos gestos técnicos – modelo pendular a partir das idéias de Claude Bayer. In: Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília v.10, n.4, p.99-104, Outubro. 2002