quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Tática Defensiva no Ensino do Handebol II ,Lucas Leonardo

Tática Defensiva no Ensino do Handebol II
– Princípios Operacionais Defensivos

20 Agosto 2008 por Lucas Leonardo

1. Introdução

No artigo (Tática Defensiva no Ensino do Handebol I) anterior, citei que estaríamos analisando o ensino dos aspectos defensivos do Handebol, uma vez que a aprendizagem das ações defensivas é de grande importância para regular a aprendizagem tática ofensiva, pois, pensando o jogo como um sistema complexo e como um jogo de estratégias simultâneas, o ataque e a defesa se auto-regulam, criando dificuldades que possibilitam aprendizagens para ambos os indissociáveis momentos do jogo.

Essa reflexão se faz importante, pois muitas vezes ao aplicarmos atividades basicamente ofensivas, esquecemos de observar que (num processo de ensino aprendizagem baseado no jogo, sob uma perspectiva global-funcional) para “quem ataca”, sempre implementamos “um alguém” que defende e essa ação defensiva fica esquecida em nossas análises como professores. Daí uma série de artigos que tratem especificamente desses aspectos.

Para esse artigo, irei focar na elaboração de atividades e jogos nos quais faremos uma leitura pedagógica a partir do ponto de vista defensivo.

O foco de elaboração desses jogos serão os “princípios operacionais defensivos” descritos por Bayer (1992) sob a perspectiva dos Jogos Desportivos Coletivos e por DIETRICH, DÜRRWÄCHTER e SCHALLER (1984) sob a perspectiva do ensino do futebol.

2. Princípios Operacionais Defensivos

Analisando as etapas didaticamente divididas por Bayer e Dietrich, observa-se que os princípios do jogo são definidos numa relação interdependente entre princípios ofensivos e defensivos, conforme segue:

Para o princípio que define que uma equipe com posse de bola (atacante) tem por objetivo manter a posse de bola, observa-se um princípio defensivo que visa recuperar a posse de bola; para um princípio que define o objetivo da equipe atacante a progredir em direção ao alvo adversário, observa-se um contra-princípio que determina a equipe defensora impedir essa progressão (tanto da bola, quanto dos jogadores sem bola); e para o princípio ofensivo de finalização ao alvo, observa-se um princípio defensivo de proteção do alvo, feita não só pelo goleiro, mas também pelos jogadores de quadra.

Observando apenas os princípios defensivos, e sob um paradigma tradicional de ensino (baseado no handebol formal), é possível observar que o handebol é, sobre tudo, um jogo em que o princípio de proteção do alvo é o mais utilizado (podemos dizer ser um princípio determinante sob o ponto de vista defensivo).

Observando a figura abaixo, podemos analisar o posicionamento estrutural defensivo mais comum de ser observado em jogos de alto-rendimento: a defesa 6×0 (6 jogadores na primeira linha defensiva – a mais perto do gol – e nenhum jogador na segunda linha defensiva – após a linha tracejada de 9 metros).

Figura 1. Estrutura Clássica Observada nos Jogos de Alto-Rendimento de Handebol, equipe verde (quadradinhos) em defesa 6×0

Ao verificarmos essa organização defensiva, é possível constatar o que foi observado anteriormente: no handebol, ao pensarmos nos princípios operacionais defensivos, predomina a organização defensiva que visa à proteção do alvo.

Portanto, a partir de uma metodologia de ensino que se baseie única e exclusivamente nos paradigmas do alto-rendimento (portanto, uma metodologia tradicional e imediatista) o ensino defensivo estaria retido apenas à formação da famosa “barreira”, por esta ser uma estrutura defensiva claramente alinhada com o que o handebol competitivo tem por predominante: a preocupação defensiva em proteger o alvo.

No entanto, fica uma questão: num jogo de handebol, será viável criar estratégias para recuperação da posse de bola? E para impedir que o adversário se aproxime e se desloque para o alvo, não se podem criar estratégias de jogo que trabalhem sob essa perspectiva?

Fugindo do ponto-de-vista tradicional – e, portanto, fugindo do paradigma do handebol competitivo – e caminhando para uma metodologia baseada em um método global de ensino, este pautado no jogo como elemento central do processo de ensino e sob o prisma da similaridade que os jogos coletivos possuem entre si – criando aquilo que WITTGENSTEIN (1999) denomina “família de jogos” – esses outros princípios devem ser vividos, pois mesmo que não haja predominância desses princípios durante o jogo defensivo, eles sempre são latentes nas ações defensivas, pois, de que vale proteger o alvo da finalização adversária sem a preocupação em recuperar a posse da bola? De que adianta saber armar uma excelente “barreira”, mas que não iniba de alguma forma a aproximação ofensiva do alvo a ser defendido?

Para isso, seguem alguns jogos pedagógicos que apesar de haver o “ser atacante” e o “ser defensor”, iremos nesse momento focar as análises desses jogos sob o ponto de vista defensivo:

3. Jogos Pedagógicos analisados sobre o enfoque defensivo

3.1. Pega-pega Gavião

Vídeo 1. Análise Pedagógica do Pega-pega Gavião

Observando esse jogo, e analisando-o sob a ótica do jogo defensivo, verifica-se um jogo cujos defensores têm como principal princípio operacional a proteção do alvo, porém, como o atacante (ou gavião) tem como objetivo TOCAR o último da fila defensiva, o jogo acaba por trabalhar um recurso do handebol que muitas vezes passa despercebido pelo professor na iniciação, que é a estratégia de impedir que o adversário passe pela defesa, usando contatos sobre o jogador com bola. Isso é um recurso empregado que tem como princípio impedir a progressão do adversário.

Verifica-se, dessa forma, que além de defender o seu alvo (o último jogador da fila) utilizando regras de ação muito semelhante aos do jogo de handebol (deslocamentos laterais e antecipação da trajetória ofensiva adversária), o defensor também impede a progressão do atacante, usando como regra de ação para isso, a utilização de contatos diretos ao atacante (com bola, caso seja o jogo de duplas).

Quando o jogo ganha uma formatação de 2×2+fila, o jogo fica ainda mais complexo para os defensores, dificultando as ações defensivas e exigindo acentuado grau de compreensão coletiva das ações dos dois defensores das filas, surgindo a idéia de cobertura defensiva e proteção de um alvo indireto àquele de sua responsabilidade.

Para dar ao jogo o ganho de mais um princípio defensivo – a recuperação da posse de bola – pode-se sugerir que cada vez que a bola é roubada pelos defensores das filas e consegue-se completar um passe, os defensores ganham 1 ponto, criando assim um jogo quem que as duas “equipes” – a que ataca e a que defende – têm possibilidades de marcar pontos, aumentando ainda mais a complexidade do jogo.

Deve-se, sempre destacar aos alunos a utilização de estratégias defensivas que não coloquem em risco o atacante, retirando pontos por agarrões de lado, pelas costas, rasteiras, valorizando as ações com deslocamentos laterais, que antecipem as trajetórias ofensivas.

3.2. Jogo do Esperto

De maneira geral, quando utilizamos o “jogo do esperto” (KINJNIK, 2004) (ou bobinho), enfatizamos os jogadores que possuem a posse de bola, acreditando que nesse jogo a ênfase está na resolução de problemas para passar a bola para o outro (num jogo de 2×1) ou outros (num jogo, por exemplo de 3×1, 4×1, 4×2, 4×3 e etc..) jogadores que jogam para receber a bola.

No entanto, esse jogo pode ser muito útil também para o aprendizado de estratégias defensivas.

Pensando na proteção do alvo, esse é um excelente jogo de goleiros, pois ao adpatar-se a regra tradicional do jogo e permitir a utilização dos membros inferiores para recuperação da bola, se ganha muito em relação à aprendizagem da utilização dos membros inferiores para defesa da trajetória da bola que segue para o outro jogador (um alvo virtual do jogador que deve impedir a passagem da bola).

Ao utilizar um jogo com mais de 1 “bobinho”, mas estes em número de jogadores ainda inferior aos jogadores com posse de bola, e também limitando a região do jogo, cria-se um jogo de grande ênfase no princípio defensivo de recuperação da posse de bola, pois, por ser um jogo que não possibilita o contato entre defensores (bobinhos) e atacantes (jogadores com a posse de bola), cria-se uma estratégia defensiva cuja regra de ação seja fechar as linhas de passe dos atacantes. Mas, por ainda haver inferioridade numérica, o jogo é mais complexo para os jogadores defensores.

A transição natural desse jogo são os jogos de passe (passa 10, passa 20 e etc..) nos quais a equipe atacante deve realizar 10 ou 20 passes ininterruptos. Defensivamente é um excelente jogo para trabalhar o princípio de recuperação da posse de bola.

3.3. Jogo de Alvo Central (Alvo Único)

Vídeo 2. Análise Pedagógica dos Jogos de Alvo Central

Os jogos de alvo central, ou alvo único é um jogo cujos princípios defensivos podem ser muito valorizados e explorados. Trata-se de um jogo em que as noções de defesa em zona passam a ser uma estratégia rapidamente empregada pelos jogadores (claro que a ênfase disso pode ser dada pelo próprio professor), porém pensando nos princípios operacionais, nos jogos com essa organização, todos os princípios são amplamente aplicáveis.

Pensando a proteção do alvo, o jogo por si só é um jogo enfático nesse princípio, uma vez por não trabalhar transições longas e, portanto, a opção pela proteção do alvo é a primeira a ser adotada rapidamente pelos jogadores que quando atacavam, perdem a posse da bola.

Isso pode ganhar ainda mais complexidade quando são adicionados pequenos alvos-secundários, com valor de pontuação menor que o alvo central, quando a bola passa por dentro desses alvos.

Figura 2. Jogo de Alvo Central com mini-alvos – Ênfase na Proteção do Alvo

Aumenta-se a carga do jogo sobre os jogadores de defesa, pois devem, além de proteger o grande alvo central, devem proteger também o alvo menor.

Pensando na proteção dos alvos e na iniciação ao goleiro, pode-se adaptar a regra possibilitando que os jogadores de defesa possam interceptar a bola com os membros inferiores, caso ela esteja passando por dentro do mini-alvo.

Para enfatizar a recuperação da posse de bola, incluir a regra de que a recuperação da bola através da ação de “cortar o passe” possibilita o ganho de 1 ponto a mais caso a equipe, agora atacante, atinja o alvo central, gera nos defensores a ânsia pela organização coletiva que arrisque antecipação na linha de passe adversária, ação que dificulta a troca de passes dos atacantes.

Para enfatizar o princípio de impedir a progressão adversária, pode-se adotar a limitação da área de jogo, sendo que, se que se a equipe defensora conseguir influenciar a atacante a sair da área limitada (figura xx), possibilita a equipe defensora o ganho da posse de bola e o plus de mais um ponto, caso consiga atingir o alvo central.

Figura 3. Jogo de Alvo Central com área delimitada – Ênfase no princípio de Impedir a Progressão Adversária

3.4. Jogo de Áreas-Alvo

Neste jogo, a equipe defensora deve impedir que a equipe adversária tenha a posse da bola em áreas que se aproximam do alvo defensivo, tendo com ênfase o princípio de impedir a progressão adversária e recuperação da posse de bola.

Para a equipe ofensiva poder finalizar ao alvo, ela deve passar a bola de área em área, não podendo realizar um passe longo.

Essas áreas podem ser feitas com giz e fitas adesivas, por exemplo.

Caso a equipe defensora consiga ficar mais de 30 segundos sem deixar que a equipe penetre a última área, ganha 1 ponto e ganha a posse de bola.

De maneira geral, a equipe deve tentar recuperar a posse de bola, pois ao recuperá-la, esta torma-se a equipe atacante, invertendo de papel e podendo marcar 1 ponto no ataque.

Figura 4. Jogo de Áreas-Alvo – a equipe defensora não pode deixar a atacante penetrar às áreas que se aproximam do alvo.

3.5. Defenda sua Área

Neste jogo, a equipe que se defende sempre tem áreas a serem defendidas em número maior que o número de jogadores e não pode permitir que o adversário entre nessas áreas defensivas e receba a bola dentro delas (a equipe adversária ganha um ponto sempre que alguém receber a bola dentro dessas áreas.

Para isso, os defensores podem empurrá-los para fora das áreas tanto os jogadores com bola e sem bola

Neste jogo, para dar maior dinâmica, pode-se usar duas bolas.

Cada vez que a equipe adversária errar um passe (jogar a bola para fora dos limites do jogo, ou recuperar a posse de bola) a equipe defensiva ganha a posse da bola e troca-se a equipe atacante e defensiva.

Trata-se, portanto, de um jogo cujos principais princípios operacionais defensivos trabalhados são: impedir a progressão adversária e proteção do alvo, além de secundariamente trabalhar a recuperação da posse da bola.

Figura 5. Defenda sua área – a equipe defensora não pode deixar a equipe atacante penetrar às áreas.

3.6. Jogo de recuperação de posse de bola

Neste jogo, gol vale 1 ponto, mas recuperar a posse de bola através da interceptação do passe imediatamente vale 2 pontos.

É um jogo que ocorre em estrutura de mini-jogo com alvos feitos de cones e um jogador defendendo o alvo, mas participando do ataque efetivamente como jogador de linha também.

4. Bibliografia

BAYER, Claude. La Enseñanza de los Juegos Deportivos Colectivos. 2. ed. Barcelona: Hispano Europea, 1992.

DIETRICH, K., DÜRRWÄCHTER, G., SCHALLER, H.J. Os grandes jogos. Metodologia e prática. Ao Livro Técnico. Rio de Janeiro, 1984.

KNIJNIK, Jorge Dorfman. Colaboração de estratégias de ensino e aprendizagem na niciação à prática do handebol. In. Revista Ludens – Ciências o Desporto, Lisboa, p. 75-81, 2004. [clique aqui]

SCAGLIA, Alcides José. O Futebol e os jogos/brincadeiras de bola com os pés: todos semelhantes, todos diferentes. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação Física, Campinas, 2003. [clique aqui]

WITTGENSTEIN, L. “Investigações filosóficas”. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

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